Moradores do Santa Inês questionam instalação de projeto para população de rua no bairro
Moradores reclamam de falta de diálogo e temem desvalorização de imóveis. Técnicos defendem que a implantação de política pública é urgente
Foto: Abraão Bruck/CMBH
A implantação dos projetos sociais Canto de Rua Emergencial e Moradia Primeiro, no Bairro Santa Inês, sem antes ouvir a comunidade da região gerou insatisfação entre os moradores que, apesar de não serem contrários ao projeto que vai atender pessoas em situação de rua, defendem a manutenção das atividades desenvolvidas pela Associação Buritis de Esporte e Cultura (Abesc) no local. O assunto foi debatido em audiência pública, solicitada por Wilsinho da Tabu (PP), pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (20/12). Além das queixas pela falta de diálogo, os moradores do Bairro Santa Inês e adjacências foram unânimes em repudiar a instalação do equipamento no bairro e em defender a permanência da Abesc no local, que ficou abandonado por mais de cinco anos. Comerciantes e proprietários de imóveis estão preocupados com a desvalorização financeira que a proposta pode acarretar. Representantes da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) garantiram que o projeto foi debatido com a sociedade civil, por meio de audiências públicas na Assembleia Legislativa, universidades, defensoria pública e com a participação do Movimento Nacional População de Rua, entre outros.
Falta de política pública e de diálogo
Bella Gonçalves (Psol) garantiu que o tema foi amplamente debatido com a comunidade em situação de rua e defendeu que “tão importante quanto construir uma escola ou uma unidade básica de saúde, é garantir equipamentos que deem conta de atender essa população que não tem sequer direito à água para beber”. Ela lembrou que existem pessoas em situação de rua em todas as regiões e chamou a atenção para o que nomeou como “preconceito e estereótipo da população de rua que não pode impedir o avanço de uma política tão essencial que é a garantia de direitos desse público”.
Wilsinho reconheceu a importância de implantar projetos dessa natureza, mas defendeu que os moradores do bairro têm o direito de conhecer o que está sendo proposto para o local, onde já funciona há 10 meses um projeto esportivo que atende cerca de 400 pessoas. “Não é que não queremos políticas públicas para atender essas pessoas. O que queremos é mostrar para os moradores do bairro as duas propostas e ouvir a comunidade para ver se vale a pena implantar o projeto exatamente naquele local”, afirmou. Segundo ele, é natural que as pessoas se preocupem com a desvalorização financeira de seus imóveis, caso o projeto seja implantado no bairro.
Presidente da Abesc, Luiz Antônio explicou que a área foi cedida pelo estado, por meio de comodato com duração de 20 anos, para que a associação desenvolvesse um projeto esportivo de cunho social. Com o acordo, a associação investiu cerca de R$58 mil arrecadados por meio de doações para limpar, reformar e garantir a segurança do local. Hoje, a Abesc atende por meio do projeto Universo cerca de 140 crianças nas modalidades de vôlei, futebol e handebol. O espaço, que conta com campo de futebol, duas quadras e vestiário, além de uma piscina que ainda não está disponível para utilização, também oferece futebol de campo, futebol americano e pickball. Segundo Luiz Antônio, o Estado não honrou o compromisso e encaminhou para a Abesc uma notificação para desocupar o local em 15 dias.
Assessor parlamentar e morador do bairro, Paulo César se disse surpreso com a notificação e quis saber quais os impactos que a instalação do Projeto Canto Rua vai trazer para a comunidade do entorno. “Já nos reunimos duas vezes com a secretária Elizabeth Jucá (Sedese) e ainda não temos informações para passar para os moradores”. Segundo ele, muitas pessoas fizeram investimentos na região dado o desenvolvimento que a construção da Via 710 iria proporcionar e a falta de informações sobre a grandeza da proposta do governo do Estado traz insegurança para a sociedade. “Não sabemos qual o impacto desta proposta na comunidade e nem mesmo se este projeto existe ou se foi elaborado apenas com o intuito de receber verbas do governo federal”, declarou. Ao destacar a relevância de políticas públicas voltadas para o atendimento às pessoas em situação de rua, Paulo César acredita que o projeto possa ser instalado em outro local, “que não atrapalhe o desenvolvimento esportivo que já está consolidado e que é tão bem recebido pela comunidade”, afirmou.
Morador da Rua Conceição do Pará, Anderson concordou com Paulo Cesar: “Estamos, sim, preocupados com os moradores de rua, mas não tem porque descobrir um santo para vestir outro. Esse projeto já está funcionando e não justifica querer colocar outra coisa no lugar. Queremos ser ouvidos”. Já para o morador Érico, a falta de diálogo denota total falta de respeito com a Abesc e seus usuários. “Entendemos a importância do trabalho desenvolvido pela Sedese, mas temos que considerar que a Abesc investiu energia e dinheiro naquele espaço. É um desrespeito com os pais e as crianças que lá estão”, lamentou.
Proposta da Sedese
A representante da Sedese, Luiza Lima, reconheceu que a comunidade precisa participar do processo. Ela explicou como funcionou o projeto "Canto de Rua: direito a ter direitos", na Serraria Souza Pinto, durante a pandemia e que a experiência evidenciou a necessidade de ter uma política pública permanente para atender essa população que vem crescendo exponencialmente na cidade. Ao afirmar que a proposta é que as pessoas superem a situação de rua, Luiza defendeu que o atendimento a esse público específico deve ser oferecido de forma transversal para ser efetivo. Segundo ela, o tema foi debatido com diversos atores como a Pastoral Nacional do Povo de Rua; o Movimento Social, universidades, Defensoria Pública; Rede Novo Olhar de Rua, entre outros, e que esta proposta já foi implantada em Curitiba, Porto Alegre e Fortaleza. “O Canto de Rua será um complexo de ações, programas e projetos de políticas para a população em situação de rua. A proposta é oferecer moradia, acolhida, oficinas de qualificação profissional e artísticas, esportes, rodas de conversas, entre outras”, afirmou, revelando que devem ser construídas dez moradias no espaço.
Braulio Lara (Novo) indagou se não haveria possibilidade de os dois projetos funcionarem no mesmo espaço; se esse seria um terreno público e o Canto de Rua poderia funcionar em outro espaço. Ao defender que o equipamento é essencial e um avanço na política pública de atendimento às pessoas mais vulneráveis, a representante da Sedese, explicou que foram feitos diversos estudos de impacto no entorno que envolvem desde a limpeza até a segurança; que o projeto demanda um terreno de grande porte; e que não daria para conciliar as duas propostas. Para ela, o projeto arquitetônico vai valorizar os imóveis.
Luiza ressaltou que a Sedese ofereceu um outro espaço para a Abesc, o que foi rebatido pelo presidente da associação. “Nos ofereceram apenas uma quadra aberta na Fundação João Pinheiro. Não liberaram o campo de futebol nem o ginásio poliesportivo, que está ocioso: ele será transformado em almoxarifado”, revelou.
Encaminhamentos
Em resposta a Wilsinho, que quis saber se há tempo para a comunidade debater a proposta, a representante da Sedese informou que o projeto já está em fase de implantação. “Precisamos conversar? Sim, mas diante do cenário que estamos vivendo, precisamos dar respostas rápidas. Precisamos dar respostas efetivas e esse espaço possibilita um atendimento integral para contemplar as necessidades urgentes “, afirmou.
Wilsinho disse que vai solicitar à Sedese um plano de estudos dos impactos no entorno e a disponibilização de um canal de comunicação para a comunidade sanar dúvidas.
Superintendência de Comunicação Institucional