ADE LAGOINHA

Moradores expõem problemas, propõem e cobram soluções para a região da Lagoinha

Dossiê contendo diagnóstico e propostas foi apresentado na Câmara e deve orientar as próximas ações do poder público na área

terça-feira, 26 Abril, 2022 - 22:15

Foto: Breno Pataro/PBH

Manejo irregular de resíduos, sujeira, insegurança, atividades não licenciadas, excesso de trânsito, degradação do patrimônio e, especialmente, a falta de fiscalização foram os pontos mais destacados pelos moradores da Lagoinha em audiência realizada nesta terça (26/4) na Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana. Instituída como Área de Diretrizes Especiais (ADE) no Plano Diretor a fim de promover sua preservação e requalificação, a Lagoinha é um dos bairros mais antigos de BH, mas sua paisagem histórica, tradição cultural e potencial turístico se perdem em meio à ocupação do espaço por veículos, pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Moradores lutam para obter um novo olhar do poder público e da população sobre a área, estigmatizada como “lugar inóspito, sujo e perigoso”. Para isso, elaboraram um dossiê dos problemas locais, trazido à Câmara há 15 dias e apresentado na audiência. As reivindicações e sugestões constantes no documento serão enviadas à PBH e as respostas devem ser fornecidas pelos setores pertinentes em novas reuniões.

Morador da Lagoinha e um dos autores do dossiê, Daniel Queiroga agradeceu o vereador Gabriel (sem partido), autor da audiência, que tem na requalificação da região central uma das bandeiras de seu mandato e já acompanha o debate há muito tempo. Queiroga pondera que a maioria das questões já é contemplada nas diretrizes estabelecidas para a ADE Lagoinha no Plano Diretor sancionado em 2020, mas que ainda não foram implementadas. Como exemplos, ele citou a vedação de atividades que degradam o patrimônio e a qualidade de vida, políticas de mobilidade e moradia condizentes com as características locais e fomento da economia criativa. Garagens de ônibus e estacionamentos em imóvel tombado, segundo ele, continuam a funcionar ou são abertos sem licenciamento; dos que possuem alvará expedido antes de 2020, alguns ocupam área superior à autorizada ou não cumprem devidamente as medidas de mitigação de impactos. A fiscalização, quando acontece, não resulta em punição ou interdição.

A regulamentação da ADE também prevê medidas para reestruturação do desenho urbano descaracterizado pela duplicação da Av. Antônio Carlos e a construção do Complexo da Lagoinha, formado por viadutos e corredores de trânsito intenso, que dividiram o bairro e aumentaram o fluxo de veículos nas entradas, saídas e vias internas que se tornaram locais de passagem, sem atratividade para investidores, mercado imobiliário, população da cidade e visitantes. As casas antigas, ruas e calçadas estreitas estão danificadas e sobrecarregadas com o trânsito intenso de ônibus, inclusive os biarticulados do Move, que, muitas vezes, têm dificuldade de manobrar, obstruindo a passagem e produzindo ainda mais poluição e ruído. A má conservação e subutilização de áreas públicas e prédios abandonados, ocupadas por sem teto e usuários de drogas, também tornam o local inóspito.

“Terra sem lei”

Dimas Fulgêncio, Daniela Mundim, Jarbas Aredes, Tereza Vergueiro, Felipe Thales e Paulo Pontes, que moram e trabalham no bairro, reiteraram os pontos indicados por Queiroga. Sobre a sujeira, eles poderaram que ela não resulta apenas da coleta insuficiente ou da concentração de pessoas nas ruas, mas também da deposição de sacos de lixo em dias e horários incorretos, que ficam expostos e são rasgados por andarilhos em busca de materiais reaproveitáveis. Eles reconhecem a necessidade de conscientizar a população e a atuação da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), mas reivindicam coletas mais frequentes, considerando as características da região. A triagem de materiais no meio da rua e fora de hora pelas “sucatarias” e a queima de lixo e resíduos perturbam o sossego, poluem e degradam o espaço, mas, apesar das denúncias, nada vem sendo feito.

A conscientização também é necessária em relação às ações assistenciais realizadas no bairro, onde há alta concentração de pessoas em situação de rua e usuários de drogas; embora meritórias e necessárias, foram apontadas como geradoras de lixo e sujeira, já que muitos beneficiários descartam embalagens, alimentos e outros artigos nas ruas, e as entidades (igrejas, ongs e instituições similares) não limpam os locais antes de irem embora. A falta de controle e organização dessas ações também resulta em desentendimentos, brigas e até mesmo homicídios. "Aqui nada é fiscalizado, aqui pode tudo", protestou uma moradora.

A falta de segurança e o aumento da criminalidade causados pela receptação e venda de produtos roubados e o grande número de usuários de drogas, especialmente o crack, que furtam lojas, casas e transeuntes para sustentar o vício, também fazem da Lagoinha uma “terra sem lei”, nas palavras dos moradores, que cobram apuração e combate ao furto e receptação de cabos e fios, que prejudicam o fornecimento de energia e telefonia. A sujeira, as cenas degradantes e os riscos de roubos e agressões espantam não apenas moradores e comerciantes, que fogem do bairro abandonando imóveis históricos e comércios tradicionais, como o Mercado da Lagoinha e os antiquários, mas também investidores e turistas. Criador do movimento Viva Lagoinha e agitador cultural, Felipe Thales ressalta o perfil histórico e a vocação artística do bairro, que poderia sediar eventos e atividades culturais e gastronômicas.

“Hora de agir”

Apesar de todos os problemas e situações difíceis vividas em decorrência deles, Felipe e os demais moradores participantes da audiência se declararam dispostos a lutar pela requalificação da Lagoinha e a conviver de forma harmoniosa com todos os atores que compõem a paisagem local. O elemento humano, com seus direitos de cidadania e dignidade, não serão jamais expulsos e desprezados, de acordo com eles. No entanto, é preciso oferecer um atendimento organizado, em espaços adequados, evitando que se alimentem e durmam nas ruas, expostos a sujeira, sol e chuva, que sejam encaminhados a tratamento e sejam criadas condições para sua reinserção social e econômica, conciliada com as características e as vocações do bairro. Estão dispostos a assumir as características locais e contribuir para a mitigação dos problemas, mas querem que a Prefeitura faça sua parte. De acordo com os moradores, não é preciso gastar mais tempo e recursos com apurações e diagnósticos, pois isso já existe. Eles demandam ação e fiscalização ao salientar que é hora de agir.

Os moradores reivindicam, no entanto, a participação da comunidade em todas as discussões e decisões relacionadas à ADE Lagoinha, permitindo que se baseiem não apenas no “olhar dos gabinetes” mas também, e principalmente, no olhar de quem vive e conhece de perto o dia a dia e as necessidades da região. A participação popular na regulamentação e gestão das ADEs, inclusive, é determinada na legislação federal (Estatuto da Cidade) e municipal, preconizada no no próprio Plano Diretor, lembrou Daniel Queiroga.  

O coordenador de Atendimento da Regional Noroeste, Felipe Santos Ferreira, e os subinspetores Carolino e Paulo Damasceno, da Guarda Municipal, ouviram as observações e demandas dos moradores e asseguraram que estão atentos às questões, relacionando projetos e ações em seus âmbitos de atuação. Segundo eles, os problemas são complexos e multifacetados e devem ser tratados em várias frentes. Em razão da quantidade de dados e de encaminhamentos apresentados no dossiê, eles solicitaram seu envio formal para avaliação dos órgãos, possibilitando o fornecimento de respostas institucionais para posterior debate. A Procuradoria Geral do Município e o Ministério Público não enviaram representantes.

Encaminhamentos

Gabriel lamentou os efeitos resultantes do Complexo Viário da Lagoinha que, ao privilegiar apenas o automóvel, contribui para a existência de áreas degradadas, lotes vagos e imóveis mal conservados e desestímulo às atividades econômicas e culturais. Ele também apontou a omissão do Executivo em relação á questão. “Esta audiência é um primeiro passo para chamar a atenção sobre a relevância da Lagoinha para a cidade e a urgência de solucionar os problemas”, anunciou. Os moradores ressaltaram que o esforço conjunto não pode se limitar à discussão e proposição de soluções, mas é preciso definir e pôr em prática as ações. “É hora de agir”, reforçou Daniel Queiroga, e “é necessário que a Prefeitura faça sua parte”. O parlamentar repetiu a fala da presidente Nely Aquino ao receber o dossiê: “a Lagoinha foi o primeiro bairro da nossa Capital e se pretendemos requalificar o Centro de Belo Horizonte é primordial começarmos por lá''. 

Após o envio do dossiê para os setores responsáveis, Gabriel vai requerer novas reuniões para verificar a adoção e o andamento das ações de fiscalização sobre atividades e construções irregulares, qualificação e uso de espaços públicos e imóveis, efetivação das diretrizes do Plano Diretor, aplicação da função social da propriedade, combate à criminalidade, recuperação do patrimônio urbanístico e cultural e implementação de políticas que conciliem os interesses de todos. Na próxima reunião da Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana, além do envio do ofício, será requerido o encaminhamento de indicação à Prefeitura sugerindo a constituição de um comitê interinstitucional para analisar e debater em profundidade cada uma das questões. Por enquanto, Felipe Ferreira prometeu receber os moradores na Regional às terças-feiras.

Gabriel se comprometeu a analisar a sugestão de apresentar um projeto de lei para disciplinar as atividades assistenciais com a atribuição de mais responsabilidade às entidades no que diz respeito aos impactos das ações, considerando os aspectos constitucionais, jurídicos e os reflexos sobre o trabalho da sociedade civil. Ele garantiu ainda que a caminhada dos parlamentares pela ADE Lagoinha, solicitada pelos moradores, já tem o aval da presidente e dos colegas e sua realização depende apenas do ajuste das agendas.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir o abandono e a ausência de fiscalização do Poder Executivo no perímetro da Área de Diretrizes Especiais - ADE - Região da Lagoinha-12ª Reunião Ordinária: Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana