Debate aponta dificuldades das vítimas de violência em conseguir ajuda
Foi citada necessidade de integração entre políticas públicas; PBH anunciou criação da Rede Municipal de Atendimento à Mulher
Foto: Karoline Barreto/CMBH
Em 2022, 669 mulheres foram vítimas de feminicídio (média de quatro por dia), segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os altos índices dessa violência motivaram audiência pública da Comissão de Mulheres nesta terça-feira (7/3), véspera do Dia Internacional da Mulher. Participantes do debate contaram histórias pessoais de agressões praticadas por companheiros, até mesmo na frente de filhos pequenos. Outras convidadas, dedicadas ao suporte a essas vítimas, sugeriram a necessidade de integração entre as políticas públicas para atendimento das demandas e apontaram dificultadores como a falta de emprego, moradia e até de informação sobre as iniciativas existentes. “É urgente a nossa audiência pública”, asseverou Professora Marli (PP), que solicitou o evento. A vereadora falou de denúncias recebidas diariamente e ergueu uma pilha de jornais contendo notícias sobre violência contra a mulher. A Prefeitura de BH anunciou que ainda neste ano será criada a Rede Municipal de Atendimento à Mulher, um espaço de diálogo e aprimoramento de políticas públicas que vai permitir a qualificação das ofertas e mais acesso.
Segundo Professora Marli, a iniciativa da audiência partiu da história da comerciante Zenaide Teles Leite. Esta contou que perdeu a filha, morta pela covid no começo da pandemia, e que teve como agressor o ex-marido dela. A filha de Zenaide teve dois filhos gêmeos com o agressor, que estão com quase sete anos de idade, e um deles foi testemunha da violência, que teve como consequência o nariz quebrado. Os meninos estão com o viúvo da filha e Zenaide foi proibida de vê-los por força de medida judicial em um processo que teria sido arquivado sem o conhecimento dela. “Denunciar o quê, se a gente não tem apoio, principalmente da família?”, desabafou a comerciante.
Outro caso relatado foi o da cabelereira e auxiliar de serviços gerais Shirley Isabel Fernandes Anunciação. Ela passou por vários episódios de violência física e verbal com o ex-marido, que a perseguia mesmo após a implementação de medida protetiva, só conseguida cinco anos depois das denúncias. O agressor deixava a tornozeleira eletrônica descarregar ou a retirava, porque sabia da impunidade. “(A medida protetiva) é muito bonita, mas não funciona”, denunciou. As agressões só cessaram com o falecimento do ex-marido, mas o trauma continua: “até hoje eu não atendo o portão da minha casa”. Outro problema decorrente da violência sofrida foi a falta de emprego, pois, segundo Shirley, “quando você relata que tem medida protetiva no emprego, você recebe um ‘não’”.
Renata Ribeiro, chefe da Unidade de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Rua da PBH, pediu às mulheres para não desacreditarem da medida protetiva. “A gente tem uma estatística de que mais de 89% das vítimas de feminicídio não tinham medidas protetivas”, ponderou. Ela citou algumas mudanças na legislação e na forma de trabalho para acolher as mulheres vítimas de violência: medida protetiva em via eletrônica, e não mais física; tipificação correta do crime de feminicídio; criação da Casa da Mulher Mineira para acolhimento das vítimas; penalidade para descumprimento de medida protetiva; atendimento psicossocial; divulgação dos pontos de atendimento da Delegacia da Mulher. Assim como outras convidadas, a chefe da unidade destacou a necessidade de um trabalho integrado entre os diversos atores sociais para maior eficácia das políticas públicas.
Avanços e políticas
“Quando eu olho para trás, eu vejo que a gente avançou muito”, asseverou a assessora de Assuntos Institucionais da PBH e ex-presidente da CMBH, Luzia Ferreira. Ela lembrou de tempos idos em que a mulher que se separava do marido, por exemplo, era mal vista socialmente, “porque a culpa era sempre da mulher”, e que “há 20, 30, 40 anos a gente não media essa violência”, embora tenha assumido que ainda existe um “machismo arraigado” e lembrado de notícia publicada na mídia segundo a qual 144 medidas protetivas são pedidas por dia em Minas Gerais - o dado seria alarmante, porque nem todas as vítimas pedem a medida. Para a assessora, o Estado não pode ficar ausente. Foram citadas políticas públicas oferecidas, como a Casa Abrigo; o Centro Especializado de Atendimento à Mulher - Benvinda; os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas); a Patrulha Maria da Penha, em parceria com as forças policiais; e projeto de qualificação profissional para atender 95% das mulheres, que precisam se inserir no mercado de trabalho. Além disso, Luzia informou que nesta quarta (8/3) o prefeito anunciará “novidades” em relação às políticas para mulheres.
Outra instância representada na audiência foi a Diretoria de Políticas para Mulheres da Prefeitura, chefiada por Daniela Lopes Coelho. A pasta tem como missão a “articulação municipal de todas as ofertas”, sempre “na perspectiva de gênero”. Assim como Luzia Ferreira, a gestora ressaltou o avanço dessas políticas, acrescentando que a PBH foi a primeira no enfrentamento à violência doméstica, ainda na década de 1990, com a implantação da Casa Benvinda e, posteriormente , da Procuradoria da Mulher; os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceam), que podem acionar abrigamento sigiloso na Casa Sempre Viva, em casos de violência grave; a existência de um protocolo na área da saúde para atendimento a mulheres em situação de violência; dentre outras medidas. Segundo a representante, ainda neste ano será criada a Rede Municipal de Atendimento à Mulher, um espaço de diálogo e aprimoramento de políticas públicas que vai permitir a qualificação das ofertas e mais acesso. Ela também lembrou da necessidade de integração entre todas as políticas públicas para melhor atendimento, pois “nenhuma política pública, de forma isolada, vai dar conta”. Por fim, o maior desafio das políticas públicas é, para a gestora, alcançar as mulheres pretas e periféricas, que seriam as que mais sofrem com as agressões e “não têm retaguarda” tendo, frequentemente, muita dificuldade de acessar as políticas públicas.
Atendimento jurídico
A promotora de justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAO-VD), Patrícia Habkouk, convidou as vereadoras para conhecer os serviços especializados da Justiça, como a Patrulha da Violência (PPVD), criada em 2010; a Casa da Mulher Mineira, um espaço de plantão da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam); a Promotoria e a Comissão da OAB especializadas em mulheres; a Central de Custódia, dentre outros. A promotora pediu que a Câmara Municipal “integre as redes de serviço”. Alguns pontos no sistema de proteção com necessidade de aprimoramento foram citados por ela: a falta de passe livre para locomoção das mulheres; de políticas de moradia; de atendimento psicológico para crianças, adolescentes e vítimas de violência sexual, além de recortes para as vítimas no eixo da saúde mental; e a ausência de políticas de recuperação da saúde de vítimas de feminicídio tentado e lesão grave. “Eu acho que a gente avançou muito, mas ainda tem muito o que fazer”, finalizou, se prontificando a reaver o caso de Zenaide Leite.
A existência de um núcleo específico de atendimento na OAB-MG para fornecer orientação jurídica às mulheres foi assinalada pela presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da OAB-MG, Isabella Pedersoli, para quem o atendimento deve seguir duas linhas de frente: a prevenção, com campanhas educativas, dentre outras iniciativas, e a repressão, com aparelhamento das polícias. Também foi apontada a necessidade de implantação de mais delegacias de mulheres. Assim como outras convidadas, a promotora aposta na educação para prevenir o aumento da violência contra a mulher. Por fim, ela apontou que a principal causa dos relacionamentos abusivos é a dependência financeira, e uma das maiores dificuldades para as mulheres conseguirem atendimento é a falta de dinheiro para o transporte.
Ponto de Acolhimento
Durante a reunião, foi divulgado o atendimento do Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência. Instalado no Núcleo de Cidadania, o ponto é uma parceria entre a Câmara Municipal, o governo do Estado e a Polícia Civil de Minas Gerais. O espaço conta com quatro servidores cedidos e funciona de 8h às 18h. Professora Marli afirmou que a Comissão de Mulheres fará uma visita ao local.
Também participaram do debate as vereadoras Cida Falabella (Psol), Flávia Borja (PP), Marcela Trópia (Novo) e Loíde Gonçalves (Pode).
Superintendência de Comunicação Institucional