Em audiência, agentes culturais defendem fortalecimento de iniciativas comunitárias
Especialistas destacam necessidade de adequar legislação cultural para garantir que recursos cheguem aos mais diferentes territórios
Fotos: Bernardo Dias/CMBH
A implementação da Política Cultura Viva, proposta pelo PL 816/2019, de autoria de Cida Falabella (Psol) e da ex-vereadora Bella Gonçalves (Psol), foi debatida em audiência pública pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, nesta quarta-feira (17/5). A Política Cultura Viva implementada nacionalmente desde 2004, é uma política pública estabelecida a partir do reconhecimento e da valorização da cultura desenvolvida e vivenciada na base da sociedade brasileira, com permanente articulação de redes e gestão participativa, garantindo a autonomia, o protagonismo e o empoderamento da sociedade civil. A proposta tornou-se referência para as políticas culturais em vários estados e municípios brasileiros, abrangendo, inclusive, outros países da América Latina.
O debate contou com participação de autoridades municipais, estaduais e federais, além de trabalhadores da área da cultura que atuam em Pontos de Cultura no município. Os participantes destacaram que a iniciativa não é uma política de fomento à cultura, mas de reconhecimento do fazer cultural existente dentro das comunidades. Durante a reunião, o representante do Ministério da Cultura anunciou a liberação de verbas para a capital mineira e destacou que BH poderá ter a legislação mais avançada do País.
Cultura em rede
Autora do requerimento, Cida Falabella destacou que trata-se de uma política de Estado que vai se ramificando em forma de rede e que possibilita o fortalecimento harmônico da sociedade. A vereadora chamou a atenção para a necessidade de uma legislação municipal que garanta que os recursos disponibilizados pela União cheguem a quem mais precisa. Segundo ela, seu mandato fez um mapeamento dos Pontos de Cultura na cidade e constatou que os editais de cultura não eram acessíveis aos pequenos grupos culturais. O entendimento é o de que, embora haja um fazer cultural relevante em diferentes territórios, a organização de grupos menores muitas vezes não se encaixa em editais. “Precisamos assegurar a pluralidade e a democratização da política de cultura”, afirmou.
A ex-vereadora e hoje deputada estadual Bella Gonçalves, que também assina o PL, salientou a relevância das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo para o desenvolvimento da Cultura. Segundo ela, o desafio agora é aumentar o orçamento destinado ao setor. “Vamos fazer emendas para liberar mais recursos e pressionar o Governo do Estado. Para isso, precisamos da mobilização popular”. Já a vereadora Iza Lourença (Psol) defendeu a necessidade de descentralização da cultura: “a periferia é potência, não é uma ameaça. Estamos debatendo a implantação de uma política de vida, propositiva e pra todo mundo”, afirmou.
Já a vereadora Flávia Borja (PP) evidenciou o posicionamento da Frente Parlamentar Cristã, que reconhece que a cultura é um direito da criança e do adolescente, mas defende o direito dos pais na criação dos filhos. “A cultura tem um conceito muito amplo e temos que entender que - principalmente dentro das escolas - é preciso respeitar a educação moral e religiosa da família". Ao declarar que a Frente Parlamentar Cristã defende o acesso à cultura como forma de crescimento e de formação, a parlamentar ponderou que é necessário entender que a criança é um ser em formação e que o PL tem mais chances de ser aprovado caso respeite a posição da Frente Cristã. Cida Falabella assegurou que toda construção é feita sempre com muito respeito, dentro de uma sociedade plural.
Referência nacional
Representando o Instituto Cultural Abra Palavra, Aline Cantia lembrou que o “Cultura Viva é uma política de Estado que chega a quem mais precisa”. Segundo ela, há em Minas Gerais 230 Pontos de Cultura certificados e aptos a receber recursos para promoção de projetos culturais. Aline ressaltou que os Pontos de Cultura já consolidaram sua responsabilidade social ao trabalhar com base comunitária e desenvolvimento local. Para ela, caso aprove o PL 816/2019, a Câmara vai fazer história. “A aprovação do PL da Cultura Viva em BH será uma inspiração e uma referência para todo o Estado de Minas Gerias e até mesmo para o País”, defendeu. Ao corroborar a fala da colega, Andressa Issa, representando o Museu da Oralidade (Três Corações/MG ), afirmou que o projeto de lei vai além da cultura e abarca diversas áreas, promovendo ações transversais que, promovendo uma reflexão crítica e o enfrentamento à pobreza, beneficiam as pessoas mais vulneráveis. Ela destacou como diferencial da Política Cultura Viva a valorização da participação popular e o reconhecimento da necessidade de ocupar espaços de participação social na construção de políticas públicas. Segundo ela, BH tem 57 Pontos de Cultura cadastrados e a expectativa é chegar a 200 pontos. Por fim, destacou que os editais devem atentar para a necessidade de capacitação, principalmente no quesito prestação de contas.
Intersetorialidade
Um dos idealizadores dos Pontos de Cultura, Célio Turino reiterou que o Ponto de Cultura potencializa o que já acontece na comunidade e abordou o conceito de cultura viva como um processo, um fazer cotidiano. Para ele, assim como uma escola, “os Pontos de Cultura devem ter um sentido de continuidade, de circularidade”. Turino destacou o sentido de cooperação e não de competição implicado no conceito de cultura viva e reforçou a importância da intersetorialidade para o fortalecimento da cultura. “Quando em se articula em rede, a cultura dá saltos qualitativos. É maravilhoso ver que o fio da tradição se conecta ao fio da transformação e que isso acontece em rede, sem competição e com muita colaboração”, afirmou.
A intersetorialidade também pautou a fala de Clarice Libânio, do movimento Favela é isso aí. Para ela, a cultura viva é territorial e de cunho assistencial, passando pelas necessidades da comunidade. Por isso, muitas vezes, não se encaixa nos editais de cultura tradicionais. “Muitos agentes são informais e não têm institucionalidade. A burocracia precisa avançar para abraçar toda a capilaridade que os Pontos de Cultura oferecem para que oportunidades não sejam perdidas por falta de documentação. O que a Lei da Cultura Viva propõe é adequar a legislação à realidade territorial e assim garantir a democratização da cultura”.
Representante da Associação Crepúsculo, Luciene Catuaí tratou da importância do reconhecimento da cultura como direito de todos. Ela contou que, como o público alvo da instituição são PCDs, sempre que buscavam apoio cultural eram encaminhados para a saúde ou para a assistência social. “Essa lei é muito importante para grupos como o nosso. Precisamos desse apoio, desse entendimento”. Já Mestre Primo destacou os benefícios que o PL pode imprimir na política cultural da cidade e elogiou as possibilidades de desenvolvimento de ações educacionais que o financiamento proposto pela lei pode trazer para as comunidades.
Recursos para BH
Ao anunciar que BH vai receber cerca de R$35 milhões do Governo Federal para aplicar em projetos culturais, o diretor da Política Nacional de Cultura Viva, do Ministério da Cultura, João Pontes, ressaltou que o Cultura Viva é o reconhecimento de um direito social básico. “O Estado, além de disponibilizar equipamentos, reconhece que grupos locais já promovem o acesso à cultura. O Brasil está de olho em BH, que poderá ter a legislação mais avançada da história do País”.
Já Igor Arci, da Secretaria Estadual de Cultura, afirmou que, embora seja importante reconhecer o que já foi conquistado, não se pode esquecer dos desafios. De acordo com o gestor, é preciso adequar a legislação para atender os Pontos de Cultura, uma vez que não é possível fazer um edital só com os Pontos de Cultura. Segundo ele, o Estado está “trabalhando em uma regulamentação” e o ideal é propor um edital de credenciamento e não de concorrência. Igor Arci revelou que o Sebrae está dando apoio para que os Pontos de Cultura se regularizem e consigam, assim, ter acesso aos recursos disponíveis.
Secretária Municipal de Cultura, Eliane Parreiras fez questão de ressaltar a força do trabalho em rede promovido pela política Cultura Viva. Parreiras destacou dois pontos: o primeiro é que trata-se de um fenômeno local que, como tal, traz limitações para o poder público atuar no território. “Daí a importância dos fazedores de cultura. Esses pontos entram como parceiros para a execução de uma política pública”, afirmou. O segundo ponto diz respeito à capacidade que tal rede tem de estar presente territorialmente, atuando de forma colaborativa e em articulação com o poder público. "Isso traz um refinamento na execução da política”, elogiou. A secretária de Cultura de BH lembrou que o processo para implementação da Política de Cultura Viva foi iniciado pelo Legislativo e que o Executivo tem o compromisso de avançar. Ela contou que, ainda em 2023, há previsão para lançamento de um edital de premiação para os Pontos de Cultura, e a realização de dois eventos: o 1º Fórum Municipal de Pontos de Cultura e 1º Teia Municipal de Pontos de Cultura.
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