DIREITOS HUMANOS

Reprodução do racismo em instituições policiais é debatida em audiência

Caso do jovem negro agredido pela Guarda Municipal dentro de escola não é exceção, dizem participantes

terça-feira, 4 Julho, 2023 - 17:00
Imagem dos participantes da Audiência Pública. Uma faixa negra pendurada na parede traz os dizeres: Basta ao racismo

Foto: Bernardo Dias/CMBH

Abordagens truculentas, sem razão aparente, acusações e até mesmo agressões físicas cometidas por agentes da Guarda Civil Municipal de BH foram relatados por participantes durante a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, realizada nesta terça-feira (4/7), a pedido de Iza Lourença (Psol) e Pedro Patrus (PT). O objetivo era debater a atuação e o papel das forças policiais, em especial da Guarda Municipal de Belo Horizonte, nas abordagens da população, tendo como base o caso concreto de Bryan Pinto Oliveira, educador social negro contratado para desenvolver uma oficina em uma escola pública. Ao lado de outro educador social branco, o jovem negro foi abordado pelos guardas municipais dentro da escola, sem nenhuma razão aparente e acabou sendo algemado e levado para uma delegacia sob a acusação de ser estelionatário e de ter cometido desacato. O desenrolar dos fatos comprovou que Bryan era a vítima do crime de estelionato. Ao educador social branco não foi solicitado sequer apresentação de documentos. Representantes da Guarda Municipal e da Polícia Militar afirmaram que esta não é uma prática das corporações e asseguraram que os membros são orientados a tratarem todos os cidadãos com respeito.

Políticas afirmativas e seus efeitos

Iza Lourença lembrou o trabalho da CMBH que instituiu uma comissão para fazer um estudo da situação de jovens negros e periféricos na cidade, cujo relatório foi entregue nas mãos de autoridades para conhecimento. Iza também destacou a aprovação de leis que exigem recorte racial para políticas de saúde, sociais e de segurança; e ainda a aprovação de leis que priorizem os jovens negros e periféricos para ocupar vagas de aprendiz.  A parlamentar ponderou que de nada vai adiantar tal prioridade se a Guarda Municipal “continuar fichando jovens negros sem que tenha havido infração. Isso contribui para que esse jovem não consiga emprego e para perpetuação da pobreza e da discriminação”, afirmou. A vereadora quis saber quais ações foram determinadas pela Ouvidoria da GM para apurar o caso e responsabilizar os servidores. 

Pedro Patrus também questionou a função da Guarda Municipal ao puxar a ficha de Bryan Oliveira. “Precisamos ampliar essa discussão. Ao procurar a direção da escola e acusar o jovem negro de estelionatário, a Guarda Municipal deixou claro a criminalização da juventude negra em BH”, disse. 

Gregório Andrade, advogado que representa o jovem, lamentou a ausência dos secretários municipais de Segurança Patrimonial e também de Educação, “que se limitaram a mandar representantes como se isso fosse um crime menor. O que aconteceu é muito grave e merece uma resposta”. Ele contou sua própria experiência com a GM. Segundo ele, ao levar seu pai à UPA Oeste, em 2013, ele foi agredido fisicamente pelos guardas municipais e que, após uma ação judicial, houve a expulsão dos agressores. Gregório destacou que o problema é institucional e acaba sendo personificado com a expulsão, o que não resolve a questão que está enraizada na instituição tal qual na sociedade. “Hoje estamos discutindo uma situação que já acontecia em 2013. Nada mudou”, disse. No caso de Bryan, Gregório apontou o que chamou de falhas da Guarda Municipal na abordagem e da Polícia Militar, que prevaricou diante de um crime de racismo e de abuso de autoridade. “A PM agiu com conivência e corporativismo diante de um crime cometido por agente de segurança. Queremos uma polícia de aproximação”, afirmou. 

Ação das instituições

Chefe do Departamento de Coordenação Operacional da Guarda Municipal, o supervisor Meira concordou que o diálogo deve ser ampliado e defendeu que tratar de segurança pública num viés preventivo não é tarefa simples. Ele destacou que a instituição tem 20 anos de existência e busca aprimoramento constante na defesa dos direitos humanos e a situação apresentada vai na “contramão” do que a instituição defende como ideal ou correto. Meira assegurou que a Ouvidoria da Guarda atua com firmeza e de forma imparcial com objetivo de responder aos atos cometidos fora da legalidade. O supervisor explicou também que a Guarda tem se desdobrado para prestar um serviço de qualidade  e que “eventualmente podem ocorrer falhas que serão solucionadas ao final de um processo que vai avaliar as devidas responsabilizações”. Meira admitiu a necessidade de aprimoramento e aperfeiçoamento dos mecanismos e de qualificar melhor os servidores públicos para evolução da instituição. 

Chefe do Centro de Operações Policiais Militares (Copom /PMMG), o Ten Cel Luciano defendeu a Guarda Municipal e alegou que ambas as instituições atendem pessoas - independentemente de raça, credo ou opção sexual. “Como instituição buscamos cuidar de todos os seres humanos, pois todas as vidas são importantes”, falou. Ao afirmar que tem orgulho da instituição que atua, declarou que “um PM não sai de casa para maltratar pessoas, mas para cumprir a lei”. 

O jovem Bryan Oliveira contou que foi constrangido, ameaçado, humilhado e agredido dentro de uma escola onde ele foi para trabalhar e diante da comunidade escolar. Ele ponderou que não se pode considerar que as instituições estão atuando da melhor forma se elas continuam a maltratar negros, mulheres e moradores da periferia. “Para melhorar as instituições será preciso reformular tudo, e investir em formação. O trabalho cultural e social que desenvolvemos nos possibilita resgatar anualmente centenas de jovens moradores da periferia que encontram no educador social uma referência para a vida”, afirmou. Ele lamentou ainda que, ao ser algemado, a imagem dele como arte educador foi manchada na comunidade.

Insegurança

Outros participantes também relataram casos de agressões por parte do Estado, manifestaram preocupação com a própria segurança e reforçaram que não se trata de um caso isolado. Ao explicitar que já foi fichado pela polícia, o produtor cultural Erick ponderou que, quando um agente público agride um arte educador está destruindo possivelmente a única referência que o jovem periférico tem, e que o sistema não contribui para que o jovem que porventura tenha cometido uma infração volte a ter uma “vida normal”. “O sistema não ressocializa ninguém. Por que tenho passagem, tenho que ser agredido pelo resto da vida?”, perguntou. Erick frisou que as instituições trouxeram falas protocolares, que a abordagem truculenta é fruto de treinamento e fez um apelo para que haja uma nova formação de policiais. 

Pedro Patrus e Iza Lourenço reclamaram da falta de respostas da Secretaria Municipal de Segurança Patrimonial aos pedidos de informação da CMBH sobre denúncias de agressões por parte da GM e alegaram que vão encaminhar a ata da audiência pública para a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Os parlamentares também vão questionar a Secretaria Municipal de Educação sobre a postura da diretora que não interviu diante da violência cometida dentro da escola e sequer quis ouvir a explicação da vítima. Eles também querem saber quais medidas serão adotadas pela Ouvidoria da GM.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para tratar sobre a atuação e o papel das forças policiais nas abordagens da população - 20ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor