BALANÇO 2024

Leis garantem bem-estar de animais e impõem obrigações a tutores

Normas municipais reconhecem nova posição que os bichos ocupam na sociedade e nas famílias, além de enfatizarem a necessidade de proteção

sexta-feira, 3 Janeiro, 2025 - 15:30
Cachorro da raça golden retriever do projeto Aumor corre atrás de bolinha, observado por médicos, enfermeiros e paciente

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Psicólogo da equipe de Cuidados Paliativos do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, Nilson Prado ouviu de uma paciente um pedido: queria receber a visita de um familiar. O encontro deveria ser com Joaquim, seu cachorro há cerca de 12 anos. Sendo uma mulher em situação de rua, o animal era tudo o que ela tinha. Para tentar encontrá-lo pelas ruas da cidade, os esforços de busca envolveram a ajuda de uma unidade do Centro de Referência da População de Rua. Não foi necessário ir muito longe: o cão foi encontrado morando ainda na barraca improvisada que pertencia à paciente, na Pedreira Prado Lopes. Depois que Joaquim foi acolhido, alimentado e cuidado, o reencontro pôde acontecer. “O cachorro chegou, foi correndo, pulou no colo dela, lambeu seu rosto. Quarenta e oito horas depois, ela faleceu”, relata o psicólogo.

Visitas de pets em hospitais foram autorizadas pela Lei 11.694/2024, originada a partir de um projeto assinado por Wanderley Porto (PRD). Essas visitas não são incomuns na instituição em que Nilson trabalha, fazendo parte de uma série de estratégias de cuidados em internações prolongadas. “O hospital é um outro mundo. Quando trazemos um animal da casa do paciente, algo vem com ele. Pessoas que não estavam se alimentando começam a se alimentar. Ficam com mais desejo de fazer o tratamento para sair dali e voltar para casa. Passam a se conectar mais com a equipe. A gente consegue uma internação com menos sofrimento, menos danos emocionais, cognitivos e motores”, defende Nilson. 

De acordo com a lei, cada hospital deve criar seu próprio protocolo para as visitas de pets. No caso do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, é necessário que o animal esteja com a carteira de vacinação em dia, apresentar laudo veterinário emitido no máximo 48 horas antes da visita, que o bicho tenha recebido um banho em pet shop naquele mesmo dia e que seja transportado em uma caixa própria para isso. 

Coterapeutas

Para quem não possui um animal de estimação, os bichos também podem trazer conforto no ambiente hospitalar. O projeto Aumor de Cão, do Centro Universitário UNA, leva animais a hospitais, consultórios odontológicos e instituições de longa permanência. Chamados de coterapeutas, um golden retriever, um yorkshire e um spitz alemão são usados para auxiliar sessões de fisioterapia, reduzir o medo dos pacientes em procedimentos médicos e humanizar o contexto da internação.

“O contato com cães libera ocitocina, que é o hormônio que traz prazer e diminui a ansiedade. Já temos dados científicos que mostram essa melhora”, explica Ana Cristina Rostt, coordenadora dos cursos da área de saúde da UNA. “A gente vê pacientes apáticos, que não interagem mais com a equipe médica, que vêm pedindo para entrar em contato com o cão, acariciar. O hospital se transforma em um ambiente muito mais amoroso e acolhedor”, descreve a coordenadora.

Proteção animal

Se as leis reconhecem o papel que os animais ocupam no bem-estar da população, também enfatizam a necessidade de proteção e cuidado com eles. Ao menos outras sete proposições relacionadas aos animais também foram sancionadas em 2024 na Câmara de BH, a maioria em busca de inibir maus-tratos e melhorar a qualidade de vida dos bichos. É o caso da Lei 11.774/2024, que pune maus-tratos a equídeos (cavalos, pôneis, asnos e burros). Escrita pelo ex-vereador Miltinho CGE, a norma definiu práticas de maus-tratos e fixou multa de R$ 400 para quem praticar atitudes como usar esporas e chicotes para corrigir o comportamento do animal, colocar mais de uma pessoa sobre ele e circular por vias de trânsito rápido em montaria. Somente no ano de 2023, a Guarda Municipal recolheu 69 cavalos e outros equídeos vítimas de maus-tratos, abandono ou que foram encontrados mortos. Denúncias também chegam com frequência ao movimento BH Sem Tração Animal. “São de diversos tipos. Cavalos presos em lotes particulares expostos ao sol e à chuva, comendo lixo da rua, abandonados”, afirma Caio Barros, idealizador do movimento BH Sem Tração Animal.

Em estudo realizado em 2019 pela Coordenadoria Estadual de Defesa dos Animais do Ministério Público de Minas Gerais (Ceda), em que 400 equídeos de Belo Horizonte e região metropolitana foram estudados, apenas um entre todos os animais obteve pontuação aceitável relativa à qualidade de sua alimentação e ingestão de água – o chamado escore corporal. “É o manejo inadequado do animal em seu nível mais básico”, analisa a promotora de Justiça Luciana Imaculada de Paula, que lidera a Ceda. O estudo também identificou que os cavalos viviam solitários, de maneira contrária à sua natureza social, e muitas vezes eram soltos na parte da noite para conseguir seu próprio alimento em restos de sacolão. “Existe essa tendência de que os interesses dos animais precisam ser atendidos, baseada no reconhecimento da dignidade animal e da senciência deles (capacidade de sentir dor, desconforto, frio e outras sensações, boas ou ruins, que nós humanos também sentimos). E, nesse caso, é um interesse muito legítimo, de não ser maltratado”, defende Luciana.

Práticas aperfeiçoadas

Ainda visando o bem-estar dos animais, o uso de abraçadeiras de nylon em cirurgias veterinárias foi barrado pela Lei 11.748/2024, proposta por Janaina Cardoso (União). O material, semelhante a um lacre e conhecido popularmente como “enforca gato”, era utilizado para fazer ligaduras em procedimentos de castração. 

De acordo com Aracelle Fagundes, diretora-tesoureira do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais, o instrumento tem potencial de causar complicações graves, sendo desaconselhado pela entidade. As abraçadeiras podem não conseguir fechar completamente os vasos sanguíneos, causando hemorragias, e ainda originar granulomas e aderências, que podem comprometer o funcionamento dos órgãos.  Agora, todos os hospitais veterinários que ainda usam as abraçadeiras devem regularizar suas práticas. “O mais seguro e recomendado para procedimentos de castração é o uso de fios de sutura adequados na realização das ligaduras”, esclarece Aracelle. 

Vigilância e transporte público

Duas outras leis propostas por Miltinho CGE foram promulgadas em 2024. A Lei 11.726/2024 regulamenta a comercialização de cães para fins de segurança patrimonial privada, de vigilância ou atividade semelhante em BH. Entre as obrigações do tomador do serviço estão colocar ao menos dois cães em cada posto; manter os cães acompanhados de um vigilante habilitado na condução e no cuidado dos animais; e proporcionar instalações adequadas, com limpeza diária do ambiente, água limpa 24 horas por dia e proteção contra chuva, frio e calor excessivos. Adestradores não podem usar técnicas que causem sofrimento físico ou psicológico ao cão, como choque, enforcamento, agressão física, isolamento e jejum, com o objetivo de deixá-lo mais agressivo. 

Já a Lei 11.734/2024 autoriza o transporte de animal doméstico de até 12 kg em ônibus municipal. O bichinho, que deverá estar em caixa de transporte adequada, paga passagem. O tutor deverá portar o certificado de vacina do animal emitido por médico veterinário devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV). Está proibido o transporte de bicho que pela sua espécie, ferocidade, peçonha ou saúde comprometa o conforto e a segurança do veículo, de seus ocupantes ou de terceiros.

Superintendência de Comunicação Institucional