Depoimentos mostraram relação familiar entre diferentes empresas do transporte
Os depoentes foram questionados sobre possíveis crimes, como formação de cartel, no processo licitatório de 2008, mas negaram
Foto: Bernardo Dias/CMBH
Proprietários e representantes legais de quatro empresas de ônibus que exploram o serviço de transporte coletivo em BH prestaram depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHtrans, na manhã desta quinta-feira (19/8). Os depoimentos confirmaram as relações familiares entre as diferentes empresas, tendo algumas delas os mesmos sócios-proprietários, e a elaboração conjunta de propostas para a licitação de 2008, o que, conforme avaliam os vereadores, corrobora a tese de que o processo licitatório do transporte coletivo teve irregularidades e ilicitudes. A CPI explicou que o contrato de concessão não permite que uma mesma pessoa tenha sociedade em mais de uma das empresas concorrentes - o que não foi cumprido. Também foi evidenciada possível falha na auditoria do transporte, contratada pela Prefeitura em 2018, uma vez que os profissionais responsáveis pelo financeiro das empresas alegaram não ter recebido pedidos para apresentar notas fiscais ou outros documentos a serem auditados ou não ter sequer conhecimento da auditoria. Todos os depoentes afirmaram, no entanto, que não reconhecem a formação de cartel. A reunião desta manhã ainda deliberou sobre outras oitivas e requerimentos, tendo aprovado convite ao chefe de gabinete do prefeito Kalil para tratar da atuação da BHTrans.
Questionados pela CPI, os empresários afirmaram que desconhecem participação do Setra-BH no processo licitatório de 2008 e que também não sabem explicar por que as propostas apresentadas à época apresentam os mesmos erros e tiveram registros sequenciais em cartório. Eles afirmaram, ainda, que a retirada dos agentes de bordo não foi uma retaliação à PBH e que nunca receberam informações privilegiadas sobre as fiscalizações realizadas pela BHTrans nas garagens de ônibus. Por fim, foram categóricos ao afirmar que as empresas operam com prejuízo.
Empresas familiares e falta de concorrência
José Braz Gomes Pereira Júnior - representante legal da empresa líder do consórcio Via Urbana - Praiamar Transportes Ltda. - foi questionado pela CPI sobre sua participação societária em outras duas empresas. Além da Praiamar, José Braz é sócio das empresas Viação Anchieta e Milenium Transportes, que também participaram do processo licitatório em 2008. Informando o depoente de que não é permitido fazer parte de grupo societário de mais de uma empresa licitante, o presidente da CPI, Gabriel (sem partido), pediu que fosse feito um requerimento à BHTrans pedindo acesso a todos os contratos sociais registrados em 2008, com o objetivo de mostrar que todas as empresas que participaram do processo são familiares. “O senhor participou de um feito que não podia, mas ninguém te contou nada? A BHTrans, ou qualquer órgão público, não questionou nada?”, perguntou Gabriel, salientando que a falta de concorrência é um dos fatores que prejudicam a prestação de serviços de qualidade no transporte da cidade. “Não”, respondeu o depoente.
Formação de cartel e elaboração conjunta
José Braz participa de um grupo de empresas comandadas por ele e pelos irmãos, que contava também com o pai, falecido em 2017. Várias delas participaram do processo licitatório de 2008. Perguntado por Braulio Lara (Novo) se não vê isso como formação de cartel, ele disse que não tem bom relacionamento com a família, por isso não se considera parte do grupo. “Não reconheço. Tenho várias ações judiciais contra meus irmãos. Ações de cisão de sociedade, inventário, interdição do meu pai. Ação de todo tipo que o senhor imaginar”, disse o depoente. “Entendo suas questões familiares. No entanto, o senhor fazia parte de uma empresa que perdeu e tinha parte em outras que ganharam. Havia um teatro. Até os que perderam estavam no esquema de fraude de licitação”, ressaltou Gabriel. Além do depoente e de seu pai - José Braz Gomes Pereira - também são sócios em empresas de transporte que participaram da licitação, os seus irmãos Humberto José, Marcelo Gomes, Luiz Alfredo, Renato Gomes e Leandro Gomes.
Os parlamentares quiseram saber sobre os serviços prestados à empresa de José Braz pelo empresário André Barra, sócio fundador da Tecnotrans, empresa apontada como responsável (contratada) pela elaboração de todas as propostas concorrentes do processo licitatório. Segundo integrantes da CPI, Barra teria feito as inscrições de todas as empresas e assim ocasionado as certidões sequenciais em cartório, o que indicaria a formação de cartel e que as concorrentes sabiam das propostas umas das outras.
Segundo o depoente, André Barra era "muito conhecido no mercado”. Ele contou que conheceu Barra “através do mercado. Faz 13 anos e, depois disso, só me encontrei com ele uma ou duas vezes. Pedi que representasse a gente no setor pois poderia nos assessorar depois da licitação. Naquele momento, precisava de alguém que me assessorasse”, afirmou José Braz. Para Gabriel, “em 2008, houve um conluio e não concorrência. Estranho que concorrentes façam tudo sequencial no cartório”, destacou o vereador, explicando ao depoente que nos relatórios do Ministério Público há provas de que tudo foi feito pela mesma pessoa.
Sócio da empresa Rodopass Transporte Coletivo de Passageiros Ltda e representante legal da empresa Transporte Coletivo da Cidade de Divinópolis (Trancid), Marcelo Carvalho Santos, também não reconheceu a formação de cartel no processo de 2008, embora tenha afirmado que a elaboração da proposta para o certame foi feita em conjunto com a Praiamar Transportes. “Dividimos algumas funções e cada um fez uma parte. Só o José Braz tinha conhecimento da minha parte”, declarou.
Sem provas, mas com convicção de prejuízo
Marcelo Carvalho (Rodopass e Trancid) afirmou que desconhece a participação de André Barra na licitação de 2008 e que não sabe se o Setra-BH teria participado ou quem foi responsável por protocolar os documentos. Para ele, o processo estaria em conformidade com a legislação uma vez que, ao ser fiscalizado pelo Ministério Público, foi concluído “sem irregularidades”.
Ele admitiu à CPI que, ainda que seja responsável pelo seu setor e tenha autonomia para tomar decisões, presta contas para dois sócios: Fernando Aguiar Carvalho e Romeu Aguiar Carvalho (que também é sócio da Empresa Valadarense de Transportes Coletivos Ltda), irmãos de Roberto José de Carvalho (dono da Rodopass). Segundo ele, o setor financeiro da empresa é responsabilidade de Ana Paula Carvalho - filha de Roberto José e sobrinha dos sócios majoritários. Gabriel, mais uma vez, chamou a atenção para as relações pessoais existentes entre as empresas. “Em 2008, houve uma concorrência entre famílias. São as famílias que administram os negócios em BH”, alertou.
Mesmo sem provas documentais de que as empresas operariam no vermelho, o representante da Rodopass afirmou que tem “convicção do prejuízo”. Segundo Marcelo Carvalho, ainda que seja tarefa do departamento financeiro comprovar se há ou não prejuízo, ele acredita que o prejuízo existe devido ao aumento de custos. Apesar de ser responsável pelas notas fiscais de combustíveis, ele alegou que o setor Financeiro seria responsável por essas informações e por reunir a documentação para a auditoria. “Nunca foi solicitado ao meu setor o envio de notas fiscais de combustíveis ou de manutenção para fins de auditoria. Isso é com o Financeiro”, explicou.
Sem questionamentos
Atualmente morando em São Luís (MA), o representante legal da Empresa Valadarense de Transportes Coletivos Ltda, Romeu Aguiar Carvalho, explicou que perdeu a licitação em 2008 mas que, atualmente, participa das empresas que venceram o certame na capital mineira como sócio, sem contudo, administrar ou gerir nenhuma delas.
Do mesmo modo como já havia afirmado José Braz, Romeu Carvalho relatou que, à época, não houve questionamentos por parte do poder público sobre a participação em grupos societários em mais de uma empresa. Romeu afirmou que a Tecnotrans não prestou serviços para nenhuma empresa de sua propriedade; que não é capaz de dizer se as empresas das quais é sócio dão lucro ou prejuízo; e que nunca recebeu informações privilegiadas sobre fiscalizações realizadas pela BHTrans nas garagens dos ônibus.
O presidente da CPI demonstrou espanto diante dos depoimentos, perguntando “como esse processo não foi impugnado” e afirmou que isso só foi possível com a conivência de vários segmentos do poder público, sugerindo, inclusive, ter havido a conveniência de vereadores à época.
Desconhecimento de auditoria
Responsável pelo setor Financeiro da Valadarense e atual contadora da empresa Rodopass, Ana Paula Carvalho chocou os parlamentares ao revelar que não teve conhecimento da auditoria feita pela empresa Maciel Consultores, em 2018. Bella Gonçalves quis saber o papel de Ana Paula Carvalho na empresa. “Segundo informou Marcelo, você seria a responsável pelo setor Financeiro da Rodopass. Foi solicitado para você, em 2018, as notas fiscais de combustíveis de todos os meses e de todos os dias para fins de auditoria?”, perguntou.
A contadora revelou que não recebeu pedidos desta natureza. “Para fins de auditoria nunca me foi solicitado nada. Na época eu não tinha conhecimento desta auditoria”, afirmou. Ao ser questionada se as empresas estão no prejuízo, Ana Paula respondeu afirmativamente, argumentando que “o resultado auferido pelas empresas não cobre os investimentos feitos pelos empresários”.
Pagamento de contas pessoais e reunião de herdeiros
Confrontada com a informação de que o aluguel do espaço de eventos Mix Garden, onde foi realizada sua festa de casamento, foi pago com dinheiro da empresa, Ana Paula Carvalho refutou: “foi pago pelo meu pai”. Diante da discordância de informações, Gabriel solicitou que seja feito um requerimento para que o Mix Garden informe se o pagamento foi feito por pessoa física ou jurídica e acrescentou que a nota fiscal emitida registrou o endereço da empresa Rodopass.
Questionada pela CPI, a filha de Roberto Carvalho confirmou a existência de reuniões dos herdeiros, mas negou a orientação para fazer amizades com filhos de políticos e desembargadores. Para ela, os encontros realizados duas vezes por ano são uma forma de reunir a família, uma oportunidade de se relacionar, além de criarem possibilidades de discutir dados operacionais e de aprender com os mais velhos.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional