ACESSO A DIREITOS

Movimentos de hip hop cobram apoio e infraestrutura para realização de eventos

Batalhas e slans reúnem dezenas de jovens e são feitos em ruas sem iluminação, banheiros e água. PL quer garantir infraestrutura

terça-feira, 12 Setembro, 2023 - 17:15

Foto: Bernardo Dias/CMBH

Reconhecimento, legitimação e comprometimento do poder público. Estas são algumas das principais cobranças apresentadas por jovens que fazem cena hip hop acontecer em Belo Horizonte. As demandas que visam garantir a existência dessa cultura na cidade foram trazidas durante audiência pública realizada na manhã desta terça-feira (12/9) pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor. Projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal cria o Programa Municipal de Incentivo às Batalhas de Rimas, aos Saraus e aos Slams. As batalhas, que são duelos ou disputas de versos onde os mestres de cerimônia (MCs) se enfrentam, já somam quase 50 eventos espalhados pela cidade e líderes se queixam da falta manutenção de praças, da ausência de infraestrutura básica, como iluminação e banheiro, e da dificuldade de diálogo com setores da segurança pública, que muitas vezes atuariam com truculência e repressão junto aos participantes dos eventos. A Prefeitura reconheceu que é preciso avançar na garantia destas manifestações culturais, ainda pouco reconhecidas pelo Estado, e propôs um diagnóstico que aponte os números que envolvem o setor. Parlamentares se comprometeram a prosseguir com o debate de forma a promover a intersetorialidade entre os órgãos estadual e municipal envolvidos com a temática.

50 anos e direito a cultura

Projeto de Lei 564/2023, que institui o Programa Municipal de Incentivo às Batalhas de Rimas, aos Saraus e aos Slams, foi proposto por Iza Lourença (Psol), Cida Falabella (Psol), Bruno Pedralva (PT) e Pedro Patrus (PT). Aprovada por unanimidade em 1º turno, a proposta está agora na Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, onde o relator César Gordin (PSD) deve emitir parecer sobre as emendas apresentadas. Antes de poder ir ao Plenário, em votação definitiva, o texto deve passar pela análise de duas outras comissões.

Originário de festas organizadas no início da década de 70 por jovens afro-americanos que residiam no Bairro do Bronx, em Nova York, o hip hop completa em 2023 50 anos de existência. Para Iza Lourença, uma das parlamentares que assina o pedido de audiência pública, esta é uma manifestação cultural que precisa ser apoiada pelo Município, já que é formadora, em especial, de negros e periféricos como ela. “Vim ao Centro de BH pela primeira vez para assistir uma batalha. Então queremos celebrar estes 50 anos com políticas públicas. Celebrar essa manifestação cultural que salva vidas. Que Belo Horizonte seja uma cidade comprometida com a cultura hip hop, com os slans e os saraus”, afirmou ao abrir o debate.

Já a vereadora Cida Falabella chamou a atenção para a chegada forte das mulheres nestes 50 anos do movimento e destacou que a ideia de realizar a audiência na Comissão de Direitos Humanos foi para legitimar a cultura como um direito. “Precisamos pensar esse tema como um direito dentro dos direitos humanos. O direito de fazer e fruir a cultura. Então o acesso à infraestrutura que estes eventos necessitam é também um direito”, afirmou.

Resistência e luta política

Amazonina Ágata é uma dessas mulheres da cena hip hop em BH. Fundadora do Nutrilhar - Coletivo de Mulheres, a produtora cultural contou que somente em BH existem em atividade cerca de 42 batalhas ativas, com cerca de 30 eventos sendo realizados semanalmente. A poetisa, que acredita na força do hip hop como espaço de resistência e luta política, ressalta que a ocupação é um direito da juventude.“Estamos lutando por um espaço que é nosso. Então queremos ocupar estes espaços com infraestrutura, lixeiras, banheiros e segurança”, ressaltou, dizendo que a segurança não é apenas a presença da polícia, que muitas vezes age com truculência, mas a segurança de ter outros jovens ao seu lado nestes espaços.

Brian Pinto ou BPO, como é conhecido, é de Ribeirão das Neves e também vê no hip hop um lugar para edificação dos jovens da periferia. O arte educador, que fez questão de lembrar que sua cidade tem menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Região Metropolitana de BH, acredita que o hip hop é uma política social e que as batalhas de rimas têm tirado adolescentes do tráfico e salvado vidas. Atuando como MC, BPO destaca, entretanto, que muitas vezes a polícia entende, equivocadamente, que o hip hop é uma apologia ao crime. “Recebo inscrições para as batalhas.Tem moleque que diz que tava no horário dele de ficar lá na biqueira (boca de fumo) e largou lá para entrar na batalha. Então quando a gente fala de estrutura, fala de falta. Muitas vezes tiramos no bolso, porque temos fé no que fazemos. Não queremos nada mais do que é nosso direito: infraestrutura, respeito e segurança”, ressaltou.

Efetivar direitos

Ter os direitos garantidos também foi um dos pontos abordados por Letícia Fox, que faz acontecer a Batalha FaráOeste, no Barreiro. A produtora cultural, rapper e DJ lembrou que é sim importante fazer coisas novas, mas é essencial garantir o cumprimento de direitos e leis já existentes, como a que garante a manutenção das praças com serviços de poda e capina, pintura, conserto de pisos e troca de iluminação. Segundo Letícia, no Barreiro, a pista de skate, que é onde as rimas acontecem, têm manutenção feita por ela e outros jovens, que insistem em continuar para o lugar não desaparecer de vez. “O sucateamento (proprosital) é uma estratégia conhecida. Aí eles vão lá passam um trator na praça e metem um prédio lá. Esse é o jeito deles acabaram com a manifestação cultural”, afirmou.

Letícia também queixou-se da dificuldade de diálogo com a segurança pública e do desconhecimento da legislação por parte do setor. “A PM e a Guarda precisam saber que podemos (sem necessidade de alvará ou licença) ocupar (praças e espaços) desde que seja com som baixo até às 22h. No Barreiro consigo fazer com tranquilidade. Mas foram anos de conversa. E as batalhas que não conseguem ter esse diálogo? E se troca o comando e o próximo comandante não quer mais que a gente continue?”, questionou.

Letramento e leis existentes

Para Fernanda Werneck, que responde pela Gerência de Culturas Populares da Fundação de Cultura, todo relato e cobrança feitos pelos coletivos são legítimos. Segundo a gestora, parte dos problemas enfretandos pela movimento reflete um Estado criado por homens brancos e ricos, e lento em perceber e realizar mudanças.  “Por que ainda estamos aqui lutando para existir? É porque o Estado não entende a cultura de rua, os movimentos populares. A gerencia que eu ocupo foi cirada em 2017 e é tudo muito recente. Entrei na fundação em 2021 e não temos nenhum dado sobre isso. É urgente e necessário o mapeamento completo”, afirmou, citando ainda a Lei da Cultura Viva, de 2014.

Já sobre a manutenção dos espaços públicos, Fernanda Werneck disse que é preciso realmente que outros órgãos da PBH estejam engajados. Sobre a questão da segurança pública, defendeu a necessidade de um amplo letramento dos agentes. “É preciso fazer articulações políticas grandes com a segurança para que eles entendam que o marginal não é ilegal. A Polícia Militar precisa ser alfabetizada nestas questões. É um trabalho de letramento que precisamos fazer”, defendeu.

Também pela PBH, Frederico Maciel, da Diretoria de Ações Intersetoriais da Secretaria Municipal de Cultura, lembrou que o hip hop já vem sendo discutido na cidade e que é importante recordar marcos já establecidos como a Semana do Hip Hop  e a instituição do Fórum Municipal do Hip Hop. ‘Nego F’, como é conhecido, também defendeu a parceria com o Lesgislativo para a criação de um plano de municipal para o hip hop, destinações orçamentárias para o setor e formalização dos coletivos. “Estamos buscando cadastrar os coletivos que nos procuram porque isso vai fazer com que você já seja reconhecido junto ao governo federal como agente da Cultura Viva. Alguns pensam que é só burocracia, mas temos que usar dessa estratégia para legitimar”, explicou.

Desburocratizar

Para Pedro Patrus (PT), é muito importante que a Prefeitura crie um decreto que possa desburocratizar a realização das batalhas e slans em BH, como o Município fez com as festas juninas. “Toda vez que vou lá no Fleury (secretário de Política Urbana) eu falo da importância de se ter um texto semelhante ao Decreto 18.349/2023. Porque a lei hoje não diferencia um evento para 100 pessoas, de um para 10 mil pessoas”, afirmou.

Já Iza Lourença disse que os órgãos que foram convidados e não participaram da audiência receberão atas com o teor das discussões e serão cobrados em seus posicionamentos sobre o tema. “Nossa missão é essa. Fazer escutar aqueles que precisam escutar. E aqueles que não vieram, a gente não vai deixar barato, vamos lá bater na porta deles. Queremos respostas sobre tudo o que foi tratado aqui”, finalizou, dizendo ainda que seguirá na defesa do PL 564/2023, formalizando na Secretaria de Cultura a existência das 42 batalhas que ocorrem hoje na cidade.  

Assista à íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir o Programa Municipal de Incentivo às Batalhas de Rimas, aos Saraus e aos Slams - 29ª Reunião Ordinária - Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor