Fim das carroças

Carroceiros alegam que proibição da tração animal desrespeita direitos

Defensoria Pública afirma que a norma possui vícios de inconstitucionalidade. Prefeitura diz que vai agir conforme lei determinar

quarta-feira, 20 Agosto, 2025 - 15:15
público presente em audiência pública da câmara de bh

Fotos: Rafaella Ribeiro/CMBH

Com início tumultuado, a Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou nesta quarta-feira (20/8) audiência pública para ouvir o posicionamento dos carroceiros em relação à Lei 11.285/2021, que veta o uso de veículos de tração animal em Belo Horizonte a partir do dia 22 de janeiro de 2026. O autor do projeto de lei que originou a normativa, Osvaldo Lopes (Republicanos), esteve presente na discussão, o que desagradou os carroceiros, que chegaram a dizer que iriam se retirar da reunião. Porém, com o compromisso de que seriam ouvidos, foram convencidos a permanecer. Edmar Branco (PCdoB) e Pedro Patrus (PT), solicitantes do debate, reiteraram que o objetivo era "dar voz" ao grupo, que não participou das audiências anteriores sobre o tema na Casa. Como encaminhamento, foram sugeridas reuniões entre a a associação dos carroceiros com órgãos do Executivo municipal, bem como a marcação de um encontro do grupo com o prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião. Edmar Branco e Pedro Patrus também se comprometeram a realizar visitas técnicas para verificar as condições dos locais onde ficam os cavalos apreendidos pela Guarda Civil Municipal de BH, após os carroceiros afirmarem que falta "estrutura básica" para manter os animais.

Violação de direitos

Representantes dos carroceiros afirmaram que a Lei 11.285/2021 fere direitos das comunidades tradicionais, reconhecidos legalmente, ao interferir no modo de vida dessa população. Liderança da Comunidade Tradicional dos Carroceiros, Maxwell Moreira afirmou que a norma em questão foi escrita sem consulta ao grupo e é discriminatória, já que atinge principalmente pessoas pobres e negras. O líder da Associação de Carroceiros, Sebastião Alves de Lima, fez coro à fala dizendo que a legislação vai trazer a “destruição de famílias”, e já tem gerado forte preocupação em trabalhadores que não sabem como vão se sustentar.

“Na visão da criação da lei [os carroceiros] são os que maltratam, que prejudicam, que destroem seus animais, e essa falácia vai se estendendo e danificando nosso modo de vida, a nossa comunidade, com desrespeito e racismo”, declarou Sebastião. 

O representante da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) Paulo César Azevedo de Almeida disse que a lei erra ao pressupor que o "mero uso de um animal para tração" gera maus tratos. O defensor destacou ainda que, sendo os carroceiros uma comunidade tradicional reconhecida como patrimônio cultural mineiro, deveria ter havido consulta prévia para que a legislação fosse construída. Paulo César também afirmou que a norma é “higienista e pratica racismo ambiental”, por focar somente em atividades exercidas por pessoas em situação de vulnerabilidade.

Vícios de inconstitucionalidade

O posicionamento técnico da DPMG, segundo Paulo César, é de que a  Lei 11.285/2021 possui "vícios de inconstitucionalidade formal e material". Segundo ele, a competência para legislar sobre trânsito e transporte é somente da União, e que proibir um modal em Belo Horizonte é "violar o direito de locomoção". Para a DPMG, nas palavras de seu representamte, o texto também viola a livre iniciativa e o livre exercício do trabalho, previstos na Constituição Federal. Paulo César completou dizendo que não existe um estudo demográfico a respeito de quantas famílias serão afetadas.

 “Uma legislação municipal que proíbe abstratamente esse veículo vai condenar essas pessoas à vulnerabilidade social, à privação de sustento das suas famílias, das suas crianças e adolescentes”, manifestou-se Paulo César.

Para Osvaldo Lopes, autor do projeto de lei que originou a normativa, o defensor público pertenceria a uma "bolha restrita sem conhecimento da causa animal e da tortura que esses animais vivem em BH”. O parlamentar relatou ter vídeos que mostram situações de violência contra equinos, e afirmou que a lei não será revogada e que o foco da discussão era trazer "soluções alternativas" para os carroceiros.

Posição do Executivo

O secretário adjunto de Governo da PBH, Breno Galvão, disse que a posição do Executivo é de que a lei deve ser cumprida, seja como ela está, seja com alterações futuras. Ele afirmou que em breve o prefeito Álvaro Damião e o secretário de Governo viajarão a Maceió (AL), onde legislação correlata tramita, para observar como essa política tem sido construída na cidade. O representante do Executivo disse que entende que é uma situação delicada, mas o objetivo é conseguir sintetizar interesses dos dois lados para que se tenha uma “política satisfatória.” 

A subsecretária de Assistência Social do município, Luana de Lima Sousa, também se pronunciou, afirmando que atualmente a pasta possui o cadastro de 129 carroceiros na cidade, o que ela mesma admitiu que pode ser um "número subestimado". Luana afirmou que a secretaria vem trabalhando para garantir os direitos sociais dessa população, verificando, por exemplo, se os indivíduos estão cadastrados no CadÚnico e quais benefícios sociais eles podem ter direito.

Representando a Guarda Civil Municipal de BH, Crislem Martins explicou o trabalho realizado pela corporação dentro do dever de prezar pelo bem-estar animal. De acordo com o agente, a equipe tem se capacitado para identificar correatemnte o que é ou não uma ocorrência de maus tratos. Ele afirmou que o órgão possui 436 cadastros de animais de tração, e que já recolheu 222; sendo 32 desses em situação de maus tratos. A partir de manifestação dos participantes na plateia, ele assegurou a todos de que a prefeitura não irá retirar os cavalos de seus proprietários, e que a montaria e cavalgada ainda são permitidas, desde que obedeçam à atual legislação vigente.

Para Edmar Branco, o poder público tem obrigação de encontrar uma solução satisfatória para todas as famílias que serão afetadas pela proibição do uso de veículos de tração animal em Belo Horizonte.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir direitos fundamentais dos carroceiros diante da sanção da lei que proíbe a circulação de carroças de tração animal no município de Belo Horizonte - 7ª Reunião Extraordinária  Comissão de Direitos Humanos