Multa por falta de cobrador seria mais barata que contratação desses trabalhadores
Cálculo foi apresentado pelo Movimento Tarifa Zero, que denunciou a ineficácia das sanções e o poder das empresas sobre o transporte público
Foto: Karoline Barreto/ CMBH
Dados apresentados pela BHTrans indicam a aplicação de mais de 11 mil autuações, entre 2018 e 2019, contra as empresas concessionárias do transporte coletivo em razão da ausência de cobradores nos ônibus. No valor unitário de R$ 688,00, as multas geradas nos últimos 16 meses somariam cerca de R$ 7,5 milhões, que ainda não foram pagos pelas empresas. Com despesa anual estimada em R$ 89 milhões para contratação dos cobradores, as empresas estariam optando pelas multas e descumprindo a lei propositalmente. A denúncia foi apresentada por movimentos populares e amparada por vereadores, usuários e trabalhadores do transporte coletivo em audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário, realizada na tarde desta quinta-feira (25/4). Foi proposta uma ação popular conjunta pedindo a cassação das concessões e a revogação dos contratos. Ainda, foi cobrada a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o alto custo do transporte coletivo na capital.
Instituída em 2012, a Lei 10.526 estabeleceu que todos os ônibus que circulam na capital são obrigados a ter motorista e cobrador, à exceção dos veículos das linhas troncais do sistema BRT/ Move e dos veículos em operação em horário noturno, aos domingos e feriados. No entanto, a ausência dos cobradores tem sido imagem comum em quase todas as linhas, durante todo o dia, conforme denunciado por usuários e verificado pelos parlamentares em visitas técnicas às estações.
Pressionada a responder pelo descumprimento da legislação pelas empresas concessionárias, a BHTrans, que é a gestora dos contratos e responsável legal pela fiscalização da prestação do serviço de transporte por ônibus na cidade, afirmou que sua limitação contratual é a aplicação de autuações. O diretor destacou que as ações de fiscalização realizadas junto aos vereadores impediram a circulação de mais de 50 veículos por falta de cobrador. “Mas se não funciona, podemos propor mudanças”, pontuou o diretor de Transportes da BHTrans, Daniel Couto. O gestor não indicou quais seriam essas alternativas de sanções, mas afirmou que a Prefeitura vai encaminhar as multas aplicadas para a dívida ativa.
Caixa preta do transporte
Representante do Movimento Tarifa Zero, André Veloso reconheceu a importância das ações de fiscalização e recolhimento dos ônibus, mas lembrou que, desde a última audiência sobre o tema, realizada no final de 2018, a situação não melhorou. “Estamos apenas enxugando gelo”, ilustrou Veloso, destacando que as empresas têm administrado as multas e optado por ignorar a legislação.
O ativista alertou para a força das relações políticas e econômicas que sustentam o alto custo do transporte coletivo na capital e inibem o desenvolvimento de modais alternativos como o metrô. Diante disso, Veloso cobrou dos parlamentares a assinatura para criação da CPI do Transporte Coletivo na Câmara de BH. “É necessária uma mudança estrutural. Não dá para a gente sair daqui (contando) apenas com a fiscalização dos ônibus. É preciso responsabilizar aqueles que são de fato responsáveis pelo problema”, pontuou o ativista, defendendo a investigação aprofundada do tema e a convocação de empresários, gestores e políticos envolvidos com os contratos anteriores.
O Movimento Tarifa Zero defendeu a transparência nas contas do transporte público e afirmou que, valendo-se dos estudos de cálculo tarifário utilizados na cidade até 2007, a passagem deveria custar, ao final de 2018, R$ 3,45, valor bastante inferior aos R$ 4,05 cobrados pelas empresas. O valor calculado previa, inclusive, as despesas com o cobrador em 85% das viagens. O Tarifa Zero estimou também uma comparação entre os valores das multas aplicadas e a manutenção dos cobradores nos quadros das empresas, concluindo que as despesas com as multas apenas seriam prejudiciais às empresas se ultrapassassem 130 mil autuações por ano.
Presidente da Associação dos Trabalhadores do Transporte Coletivo Urbano de BH e RMBH, Jaderis Araújo destacou a sobrecarga de trabalho dos motoristas, que acumulam funções de direção, cobrança da passagem e auxílio aos usuários para embarque e desembarque. “Parece até que o usuário não está pagando o salário do cobrador”, ironizou Araújo, destacando que a planilha de cálculo tarifário inclui a previsão de despesas com os salários do motorista e do cobrador. “Mais de R$ 15 milhões são destinados a custear a presença do agende de bordo”, afirmou o representante da categoria.
Liderança do Movimento Volta Cobrador, Marcos Aurélio destacou que “a passagem é cara, e as pessoas ainda andam em risco”, listando os diversos problemas verificados nos ônibus como insuficiência dos freios e desgaste nos pneus, que chegam a soltar pedaços e abrir buracos na borracha.
Encaminhamentos
“O Brasil precisa se acostumar aos lucros menores”, resumiu o vereador Jair Di Gregório (PP). Autor do requerimento para a audiência, o parlamentar afirmou seu compromisso com o transporte público e a qualificação desse serviço, defendendo a presença dos cobradores e o investimento na manutenção dos veículos. “Eles (empresários) não vão falir. Só estão acostumados a lucros maiores, que agora serão menores”, defendeu o vereador.
Diante do aparente descaso das atuais concessionárias que exploram o transporte coletivo na capital, Jair Di Gregório sugeriu uma ação popular conjunta para cassar as concessões e revogar os contratos. Pedro Bueno (Pode) apoiou a iniciativa e reforçou a urgência da instalação de uma CPI, defendendo ser este o instrumento legal de controle que o Legislativo tem para enfrentar o poder econômico e político dessas empresas. O vereador é autor do PL 723/19, que prevê mais rigidez na penalização das concessionárias de ônibus. Tramitando em 1º turno, o texto determina a cassação das concessões de empresas que reincidirem em multas por ausência de cobrador.
Também os vereadores Fernando Luiz (PSB), Orlei (Avante) e Wesley Autosescola (PRP) se manifestaram em defesa da presença dos cobradores, em atenção não apenas a esses trabalhadores mas à saúde física e mental dos motoristas e à qualidade do serviço prestado aos usuários.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional