LEGISLAÇÃO E JUSTIÇA

Projeto de lei proíbe censura contra manifestações de arte popular e periférica

Texto impede que a administração municipal analise mérito de composições artísticas para dar acesso a financiamento público

terça-feira, 30 Setembro, 2025 - 17:45
Mãos de um DJ operam equipamento de som durante apresentação em reunião na CMBH

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

A fim de “combater o preconceito às manifestações artísticas vindas das favelas e periferias”, o Projeto de Lei (PL) 360/2025, assinado por Juhlia Santos (Psol) e Pedro Patrus (PT), quer instituir o “Programa de Prevenção à Censura contra a Arte e a Cultura” na cidade de Belo Horizonte. O texto proíbe que a administração municipal impeça contratações e financiamento público de artistas que exponham, em letras de músicas, por exemplo, “a realidade das favelas e periferias”. A proposta recebeu parecer favorável da Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) nesta terça-feira (30/9), com apresentação de duas emendas a fim de corrigir vícios de constitucionalidade e legalidade identificados pelo relator, Uner Augusto (PL). As emendas excluem do texto original o trecho que trata das letras das composições e um parágrafo que veda a análise do mérito das produções artísticas para acesso a recursos públicos. A proposta segue para análise de mais três comissões antes que possa ser votada em 1º turno. Confira o resultado completo da reunião da CLJ.

Preconceito contra a periferia

De acordo com os autores do projeto, BH tem protagonizado “tentativas de cerceamento do acesso de artistas negros e periféricos a recursos públicos”, havendo movimentos de grupos políticos para impedir contratações de artistas de ritmos populares, como o rap e o funk, pelos órgãos públicos. 

“Há uma clara tentativa de censura à cultura popular e periférica que contraria as bases da cultura dominante, utilizando justificativas torpes de que as letras são vulgares ou que fazem apologia a ações ilícitas. No entanto, não vemos a mesma movimentação contra artistas de outros ritmos que cantam letras de teor parecido”, afirmam na justificativa do PL. 

Eles defendem que o programa vai atuar para garantir o direito de livre expressão artística na cidade. O texto autoriza o poder público a contratar shows, artistas e eventos que “levem a arte e cultura favelada, periférica e tradicionais à população”, vedando a análise do mérito das composições, de forma que o acesso aos recursos públicos se dê apenas por meio do enquadramento a critérios técnicos e formais

Dever de avaliar as produções artísticas

Para Uner Augusto, a administração pública tem o “poder-dever” de avaliar o conteúdo artístico que será contratado ou selecionado em editais de fomento. A proibição da análise do mérito, segundo ele, “afronta os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa”, além de colidir com os princípios da discricionariedade técnica, que é a liberdade que o Executivo tem de decidir suas ações conforme critérios técnicos em busca do interesse público, e da autotutela administrativa, que é o poder de controlar seus próprios atos. O relator defende que essa proibição poderia até mesmo inviabilizar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, “que impõe à administração o dever de zelo na aplicação de recursos públicos”. 

Por isso, Uner propôs emendas que suprimem essa parte do texto, a fim de que “a vedação à censura não se sobreponha ao dever da administração de observar os princípios constitucionais no uso de recursos públicos” e que o projeto se torne compatível com o que é exigido do poder público na legislação federal.

Retrato da realidade x apologia ao crime

Debates sobre manifestações artísticas estiveram presentes em diversas reuniões na Câmara Municipal de BH este ano após a criação de projetos de lei que buscam restringir a veiculação ou contratação pública de alguns conteúdos. Assinado por Vile Santos (PL), o PL 25/2025 quer vedar a contratação, com recursos públicos, de artistas ou grupos cujas músicas ou apresentações contenham apologia ao crime, conteúdo sexual explícito ou incitação ao uso de drogas. No mesmo sentido, o PL 89/2025, de autoria de Vile e de Flávia Borja (DC), pretende proibir a execução de músicas com esse tipo de conteúdo em escolas públicas e particulares da capital mineira. Os autores dos projetos defendem que a “exaltação de comportamentos ilegais ou violentos” pode contribuir para a normalização dessas práticas na sociedade e influenciar os jovens, deixando também as crianças desprotegidas.

As propostas foram tema de uma audiência pública na Casa, que contou com a presença do rapper Djonga. Vereadores e artistas afirmaram na ocasião que as medidas querem “silenciar” a cultura periférica e “criminalizar” ritmos como o funk, o rap e o hip-hop. Depois disso, outro projeto de lei (261/2025), assinado por Irlan Melo (Republicanos), propôs obrigar a Prefeitura de Belo Horizonte a remover pichações de símbolos de facções criminosas na cidade, levantando novamente questionamentos acerca da criminalização de movimentos artísticos periféricos.

Para Juhlia Santos e Pedro Patrus, existiria uma confusão a respeito do que seria o simples retrato da realidade das periferias e a apologia ao crime

“Há uma insistência em relacionar essas expressões artísticas à apologia ao crime ou associação ao tráfico, o que demonstra a completa incapacidade de compreender a linguagem metafórica e ambígua frequentemente utilizada em músicas. São discursos que frequentemente confundem narrativa artística com incitação ao crime, ignorando que muitas músicas retratam a realidade, não a promovem”, dizem os vereadores na justificativa do PL 360/2025.  

Tramitação

O projeto ainda deve ser analisado pelas Comissões de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor; de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo; e de Administração Pública e Segurança Pública antes que possa ser levado à primeira votação no Plenário. Para que a proposta seja aprovada e enviada à sanção ou veto do Executivo, será necessário o voto favorável da maioria dos vereadores presentes (21), em dois turnos.

Superintendência de Comunicação Institucional

33ª Reunião Ordinária -  Comissão Especial de Legislação e Justiça