Relato de negligência com morte de bebê reforça necessidade de melhorar sistema
Prefeitura e Ministério Público expõem ações e projetos e reconhecem gravidade das falhas ocorridas. Comissão vai somar esforços
Foto: Karoline Barreto/CMBH
A ocorrência de erros e negligência em procedimentos de pré-natal realizados nas unidades de saúde de Belo Horizonte e as medidas para evitar que se repitam foram debatidos na Comissão de Saúde e Saneamento nesta quarta-feira (6/10). O relato de uma vítima de atendimento inadequado que perdeu a filha e quase morreu emocionou e revoltou os participantes, que defenderam o aperfeiçoamento dos serviços prestados na rede, a contratação e capacitação dos profissionais para o acolhimento humanizado das gestantes e puérperas e o devido acompanhamento e fiscalização pelos órgãos responsáveis. Empenhados na luta pela vida, saúde e bem estar de mães e bebês, vereadores se comprometeram a atuar conjuntamente com a Prefeitura e o Ministério Público para a efetivação das normas e a solução das deficiências.
O vereador José Ferreira (PP), que requereu a audiência após o recebimento de denúncias, abriu o debate relacionando negligências e falhas apontadas por usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS-BH), como a falta de exames básicos, dificuldade de acesso a cuidados integrais e atendimento não humanizado. O parlamentar informou a apresentação de três emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2022) visando assegurar esses direitos às mulheres e crianças atendidas na rede. O presidente da Comissão de Saúde e Saneamento, Dr. Célio Frois (Cidadania), e o titular Cláudio do Mundo Novo (PSD), que acompanharam a reunião, solidarizaram-se com a dor das vítimas e reforçaram a importância de trazer o tema à pauta, cobrar e propor melhorias no atendimento e fiscalizar o cumprimento das normas pelo setor.
A jovem Lucielly Thalita relatou o drama que viveu em sua gravidez em 2016, em que, mesmo apresentando sintomas anormais e repetidas queixas ao médico do centro de saúde nas consultas do pré-natal, não recebeu a atenção e os cuidados adequados e acabou perdendo o bebê aos sete meses de gestação. Diagnosticada com uma infecção bacteriana no Hospital Municipal de Contagem, para onde foi encaminhada “tarde demais”, Lucielly ficou 20 dias internada, correu risco de morte e até hoje não conseguiu engravidar de novo. Muito emocionada, ela descreveu todo o histórico de atendimentos desde a primeira consulta, com seis semanas de gestação, até o trágico desfecho, que poderia ter sido evitado, segundo os médicos, e resultou num quadro grave de depressão. Admitindo a dificuldade de falar sobre o assunto, e que nada trará sua filha de volta, ela decidiu expor o caso para evitar que outras mães passem pelo mesmo sofrimento.
Ações do Ministério Público
O coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotor Luciano Oliveira, também lamentou profundamente o ocorrido com Lucielly e reconheceu a corresponsabilidade do Ministério Público pelas falhas, já que, por ser um órgão de controle, tem o dever de verificar o cumprimento e a efetividade das normas impostas ao sistema para assegurar o acesso e a qualidade dos cuidados com a saúde materna e infantil. Oliveira comunicou o acordo estabelecido há dois meses entre as Promotorias de Defesa da Saúde e de Defesa da Criança e do Adolescente, o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG) para discutir ações na atenção primária à saúde para enfrentamento aos óbitos maternos e infantis. Levantamentos revelam que 64% das mortes infantis e 91% das mortes maternas podiam ser evitadas por um pré-natal adequado, que deve incluir pelo menos seis consultas a partir da vigésima semana, diagnóstico precoce e tratamento de doenças sexualmente transmissiveis, busca ativa e acompanhamento de gestantes de risco.
A efetividade do sistema, segundo ele, exige equipes completas de profissionais devidamente capacitados e disponíveis; deficiências nas condições básicas de atendimento fazem com que muitos municípios não cumpram o percentual mínimo de 60% de gestantes integralmente atendidas, determinado pelo Ministério da Saúde. Em BH, mesmo com uma “rede robusta”, também ocorrem falhas e o sistema pode e deve ser melhorado. O promotor sugeriu à comissão que monitore os indicadores de saúde materna e infantil na Capital e repasse os dados aos órgãos competentes.
Protocolo municipal
Representando a Secretaria Municipal de Saúde (SMMA), a coordenadora de Saúde da Mulher, Cristiane Veiga, e a gerente-adjunta de Atenção Primária, Denise Diniz, asseguraram que a questão é uma prioridade absoluta e a Prefeitura empreende esforços permanentes para redução da mortalidade materna, fetal, neonatal e infantil, alinhados às diretrizes do Ministério da Saúde e até com mais rigor; aqui, a primeira consulta é indicada com 12 semanas de gestação. Cristiane relacionou as normas e critérios dispostos no protocolo "Pré-natal e Puerpério" da PBH e os resultados positivos alcançados, destacando a atuação das equipes de Saúde da Família (eSF) na identificação e acompanhamento de gestantes de risco, o fluxo de informações e a capacitação de profissonais para um atendimento humanizado e eficaz.
O pré-natal é realizado no centro de saúde mais próximo; se não houver ginecologista, o gerente deve avaliar a possibilidade de consulta em outra unidade. Em caso de ausência prolongada do médico da eSF, profissional de outra equipe deve intercalar as consultas com o enfermeiro da equipe original. Constatada alguma intercorrência ou iminência do parto, a gestante é encaminhada para a maternidade de referência. Durante a pandemia, segundo ela, as consultas de pré-natal foram mantidas sem redução de atendimentos, precedidas de triagem de sintomas gripais e medição de temperatura e solicitação de RT-PCR para as sintomáticas, e os espaços foram adaptados para garantir o distanciamento necessário.
Acompanhamento e fiscalização
José Ferreira indagou se e como é verificado o cumprimento efetivo dos protocolos; que trabalhos têm sido feitos para suprir a escassez de profissionais, completar os quadros e capacitar as equipes, e que melhorias vêm sendo implementadas para evitar as falhas. As gestoras explicaram que a fiscalização e o monitoramento da rede são feitos em reuniões periódicas com as gerências distritais, dos centros de saúde e das maternidades, em que são repassadas as normativas e apurados os indicadores. Todos os casos de morte são investigados a fim de prevenir a repetição das falhas. Após a última atualização do protocolo, em 2019, todos os profissionais envolvidos fizeram um curso sobre pré-natal e parto oferecido pelo Ministério da Saúde. O atendimento nas unidades também é verificado por meio de telefonemas em que servidores se passam por usuários.
Sobre a disponibilização de Casas de Apoio, Cristiane informou que quatro maternidades de Belo Horizonte (Sofia Feldman, Odete Valadares, Júlia Kubitschek e Odilon Behrens) oferecem essa modalidade de acolhimento a gestantes e puérperas que residem muito longe ou em outro município e necessitam de acompanhamento ou tratamento antes e depois do parto. Com estrutura similar a uma casa normal, elas abrigam em média entre 20 a 24 mulheres. Para evitar a disseminação da covid-19, todas as residentes foram vacinadas.
Após as falas, todas favoráveis e elogiosas ao SUS, Lucielly alertou que, na prática, as coisas não são tão bonitas e exemplares quanto na teoria, e é preciso melhorar muito ainda para garantir a qualidade necessária para que nenhum usuário seja negligenciado ou mal atendido. José Ferreira e os colegas anunciaram que a Comissão de Saúde e Saneamento vai acompanhar de perto e fiscalizar os serviços e indicadores relativos ao atendimento de gestantes, mães e bebês na cidade, colaborando para sua humanização e efetivo melhoramento.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional