Comissão discutiu ações afirmativas para superar racismo e promover inclusão
Foram debatidas políticas nas áreas de educação, assistência social, segurança e direitos humanos na perspectiva da população negra
Foto: Abraão Bruck/CMBH e foto ilustrativa: Pixabay
Mais da metade da população brasileira se declara preta ou parda segundo o IBGE, contudo, os negros ainda são minoria entre aqueles que ocupam posições de liderança no mercado de trabalho e estão sub-representados nos cargos políticos, além de constituírem uma parcela muito pequena da magistratura. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgada em 2018, apenas 18,1% dos magistrados são negros. Do total de entrevistados (11.348 magistrados ativos, o que representa cerca de 60% do total de juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores do país), 1.6% são pretos,16,5% pardos, 80,3% são brancos e somente 11 se declaram indígenas. Por conta de dados como esses, é preponderante que se discuta sobre políticas de ações afirmativas para superação do racismo e das desigualdades sociorraciais. Em alusão ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, esse debate foi trazido para a Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor por iniciativa de Macaé Evaristo (PT). Na ocasião, ativistas, especialistas e representantes do poder público se reuniram em audiência pública, nesta segunda-feira (22/11), e discutiram ações que promovam a inclusão racial e a superação dos efeitos nefastos do colonialismo e da escravidão na estrutura da sociedade brasileira.
Negros na história do Brasil
Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação e Relações Étnico-Raciais (Neper) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Vitória Régia Izaú explicou que a história contada sob um único prisma está fadada a se repetir, pois apaga a diversidade dos sujeitos que a integram. Nessa perspectiva, ela defendeu a necessidade de se conhecer a história do continente africano e de se combater as mentalidades colonialistas e escravocratas que pretendem que a falta de direitos da população preta seja naturalizada.
Ao defender a eliminação do racismo em toda a extensão da vida social, Vitória Régia lembrou que a história da população negra sempre foi de resistência às opressões. Nessa perspectiva, ela fez referência a Zumbi dos Palmares, que coordenou o maior quilombo do Brasil e é atualmente reconhecido como herói nacional por sua luta pela libertação do povo contra o sistema escravista. De acordo com a pesquisadora, para que os estigmas de inferiorização da população negra sejam combatidos, o enfrentamento ao racismo não pode ser pauta unicamente da população preta, devendo ser tratado pelo conjunto da sociedade. Ela reforçou ainda o caráter insubmisso da população preta diante de ditames colonialistas e de políticas contrárias a seus direitos.
História e Cultura Afro-Brasileira no ensino
O Brasil conta com a Lei 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”, bem como a Lei 11.645/2008 que também torna obrigatória a inclusão da história e cultura indígena na rede de ensino. De acordo com essa legislação, os estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, deverão incluir em seus programas temas como história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
Políticas para pessoas em situação de vulnerabilidade
Entre as políticas defendidas na audiência figurou a necessidade de um mapeamento das populações em situação de rua e de ações do poder público que deem voz àqueles que sofrem nas ruas, bem como iniciativas que garantam que parte do orçamento público seja destinada a esse segmento da população. Também foi defendida a ampliação dos abrigos para as populações em situação de rua na capital.
Em referência ao tratamento dado à população em situação de rua, Bella Gonçalves (Psol) salientou que a questão vem sendo tratada pela Comissão de Direitos Humanos com o intuito de se evitar a violência e o recolhimento de pertences dessas pessoas.
Política afirmativa e combate à violência
Cledisson Júnior, representante do Movimento Enegrecer, defendeu a reserva de vagas para negros no ensino superior e colocou tal política afirmativa como fundamental para que esse segmento da população brasileira possa continuar a acessar as universidades. Ele também salientou a importância de se utilizar a Câmara Municipal como espaço para verbalização das demandas da população negra e chamou atenção para a violência que atinge a população negra ao referir-se à execução de moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na noite de ontem (21/11). Na comunidade pobre e repleta de barracos humildes, localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, moradores denunciaram que a Polícia Militar teria executado pelo menos 11 pessoas. Os corpos, ainda segundo os moradores, foram encontrados em um mangue com sinais de tortura, degola e ferimentos a faca. Cledisson Júnior citou o acontecimento no contexto de um longo histórico de violência contra negros e pobres praticado pelo Estado. A esse respeito, Bella Gonçalves destacou que não há democracia em um país que promove assassinatos como os ocorridos em São Gonçalo.
No Brasil, os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas), entre 2008 e 2018, aumentaram 11,5% em uma década, de acordo com o Atlas da Violência 2020, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Neste mesmo período, a taxa de homicídio entre não negros (brancos, amarelos e indígenas) fez o caminho inverso, apresentando queda de 12,9%. O Atlas da Violência também demonstra que para cada pessoa não negra assassinada em 2018, 2,7 negros foram mortos, estes últimos representando 75,7% das vítimas. De acordo com o relatório do Ipea e do FBSP, enquanto a taxa de homicídio a cada 100 mil habitantes foi de 13,9 casos entre não negros, a atingida entre negros chegou a 37,8.
Combate ao racismo
De acordo com a diretora de Políticas de Reparação e Promoção da Igualdade Racial da PBH, Makota Kizandembu, é preciso reconhecer que a sociedade é racista e que o racismo estrutural existe. A partir disso, ela explica que sua diretoria construiu um planejamento de capacitação e formação dos servidores da PBH com o intuito de combater o racismo nos órgãos do Município, o que inclui atividades direcionadas aos servidores da Secretaria de Segurança. Ela também defende que os desiguais sejam tratados como desiguais, o que significa que o Estado deve assegurar políticas de reparação para pretos, indígenas e ciganos.
A respeito do 20 de novembro, a diretora explicou que este é um momento de resistências e lutas e, nesta perspectiva, a Diretoria de Políticas de Reparação e Promoção da Igualdade Racial (Dpir) e o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) promovem o “Novembro Preto: BH Sem Racismo” durante todo este mês. O objetivo das atividades é propor reflexões sobre a importância do povo negro e das culturas de matriz africana em BH e evidenciar os problemas sociais que ainda afligem essa parcela da população. Ela pontuou, ainda, que a diretoria promove ações para além do mês de novembro, atuando em consonância com as pautas do Movimento Negro durante todo o ano.
Encaminhamentos
Entre as iniciativas anunciadas por Macaé Evaristo na audiência pública está uma visita técnica ao Projeto Miguilim, serviço ofertado pela PBH a crianças e adolescentes que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência, oferecendo atividades socioeducativas, espaços de guarda de pertences, higiene pessoal, alimentação e provisão de documentação, bem como endereço institucional para utilização como referência. A visita técnica ao projeto da Prefeitura que pretende construir o processo de saída de crianças e adolescentes das ruas e promover o convívio familiar e comunitário deverá ocorrer após apresentação de requerimento por Macaé e a necessária aprovação do mesmo pela comissão pertinente.
A vereadora também irá apresentar requerimento solicitando informações da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania e da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção a respeito de abordagens ocorridas na Praça da Rodoviária, inclusive pelas forças de segurança pública. Também serão apresentados pedidos de informação relativos à situação dos catadores de materiais recicláveis, bem como a respeito do funcionamento das políticas da Prefeitura para acolhimento de migrantes e imigrantes.
Macaé Evaristo informou, ainda, que já solicitou, por meio da Comissão de Educação, informações da Prefeitura a respeito de crianças indígenas, quilombolas e ciganas em Belo Horizonte. Ela informou que está sendo realizado um mapeamento dessas crianças junto à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania.
A parlamentar também anunciou que irá convidar o Compir para contribuir com as ações do Grupo de Trabalho constituído na Comissão de Educação, por meio de requerimento de sua autoria, para analisar, fiscalizar e avaliar a atuação da rede municipal de educação em relação à implementação do protocolo de funcionamento das escolas no retorno às aulas presenciais. Macaé explicou que não apenas o acesso ao ensino superior, por meio de políticas como as cotas, como também o acesso à educação básica pela população negra deve ser objeto de políticas inclusivas. Ainda de acordo com ela, a pandemia e seus efeitos não podem ser usados como álibi para retirada de direitos na área da educação. O Compir, que será convidado a contribuir com os trabalhos, é o órgão estimulador da participação da sociedade civil na definição da Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial em Belo Horizonte e que trabalha na construção de uma política articulada que atenda a todos os grupos étnicos que compõem a cidade, tais como indígenas, ciganos e quilombolas.
Superintendência de Comunicação Institucional