Comissão vai debater recuperação prioritária em periferias atingidas pela chuva
Pesquisadores denunciaram o tratamento desigual dos investimentos públicos e o caráter técnico do desastre, não apenas ambiental
Foto: Abraão Bruck/CMBH
“Os desastres (percebidos nos períodos de chuvas) não são pragas divinas, mas decorrem de escolhas institucionais, políticas, administrativas e econômicas (feitas historicamente), que podem, portanto, ser revistas”. O alerta foi dado pela professora Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG, que foi ouvida pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor, na tarde desta segunda-feira (3/2). O Colegiado repercutiu os impactos vividos em Belo Horizonte e na Região Metropolitana diante das fortes chuvas dos últimos 10 dias, tendo aprovado a realização de uma audiência pública, no próximo dia 13 de fevereiro, às 9h30, para discutir a recuperação prioritária em regiões periféricas atingidas pela chuva. A vereadora Bella Gonçalves (Psol) assumiu como a nova presidente da Comissão para 2020.
Professora do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, Andréa Zhouri citou o pesquisador Anthony Oliver-Smith para afirmar que o desastre não é uma ação isolada da natureza, mas se dá exatamente na relação que se estabelece com ela. Nesse sentido, os deslizamentos, alagamentos, mortes e desabrigados seriam resultados de um desastre sociotécnico, não apenas ambiental. Para a pesquisadora, esses desastres percebidos agora seriam a explicitação de processos desastrosos históricos que vêm sendo construídos desde a criação da cidade. Zhouri lembrou que Belo Horizonte foi uma cidade construída para as elites, tendo destinado para as áreas periféricas os trabalhadores que edificaram a cidade e que a movimentam todos os dias, na construção civil, na limpeza e no comércio.
Desafios
A professora alertou que “a mesma visão discriminatória que aparece na construção da cidade, permeia as ações de reparação (dos danos decorrentes das fortes chuvas)”. Zhouri lembrou que a recuperação das vias no Bairro Lourdes (na Região Centro-sul) está sendo realizada com uma celeridade que as regiões periféricas nunca receberam, mesmo sendo atingidas anualmente por alagamentos e deslizamentos em períodos chuvosos. Foi denunciada ainda uma prática de culpabilização das vítimas (como se vivessem em áreas de risco por opção), gerando vulnerabilização e desamparo a essas famílias.
Nessa perspectiva, a pesquisadora cobrou que se discuta a inversão de prioridade nos investimentos públicos para reparação dos danos, garantindo a recuperação das áreas periféricas e abrigo para os atingidos. Zhouri parabenizou o trabalho de acompanhamento anunciado pela Comissão – que realizará audiência pública para debater o tema – e pontuou dois desafios centrais que o Colegiado deve enfrentar. Um deles seria “atentar-se para os processos desiguais de territorialização na cidade, que tornam a violação de direitos humanos (em favor da especulação imobiliária) algo corriqueiro, banalizado e naturalizado”. Outro seria a cobrança de que a Prefeitura atue com transparência, prestando contas de suas ações de reparação, “para que sejam feitas de forma justa, considerando-se a vulnerabilidade dos diferentes grupos sociais”, completou a pesquisadora.
Visita técnica e informações
Preocupada em acompanhar as ações da Prefeitura em relação aos atingidos pelas chuvas, a Comissão aprovou o envio de um pedido de informações ao prefeito Alexandre Kalil, com cópia para a chefe de gabinete do prefeito, Adriana Branco, e para as gestoras e gestores das pastas de Assistência Social, de Segurança e Prevenção, de Proteção e Defesa Civil e da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel). O documento quer saber informações como o número oficial de desabrigados na cidade em cada regional; o número de vítimas fatais; a possibilidade de indenização das famílias atingidas; as medidas tomadas para atendimento emergencial; ações de prevenção; planos de reassentamento definitivo e previsão de custos dessas ações.
Foi aprovada também a realização de visita técnica ao Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH) para verificar as ações implementadas e previstas diante da situação de emergência e calamidade pública da cidade de Belo Horizonte. O encontro será na próxima quinta-feira (6/2), às 9h30, na Avenida Engenheiro Carlos Goulart, 900-1050, Buritis. A atividade integra um conjunto de visitas a serem realizadas pela Comissão nos próximos meses para verificar os direitos dos atingidos, buscando encontrar as soluções adequadas.
Os requerimentos para informações, para a audiência do próximo dia 13 e para a visita técnica são assinados por Arnaldo Godoy (PT), Bella Gonçalves (Psol), Cida Falabella (Psol), Edmar Branco (Avante), Gilson Reis (PCdoB), Pedro Patrus (PT), Maninho Félix (PSD) e Mateus Simões (Novo).
Nova presidente
A vereadora Bella Gonçalves (Psol) foi nomeada a nova presidente da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor para o ano de 2020. A vereadora reafirmou seu compromisso “com os direitos humanos e com a formulação e fiscalização de políticas públicas para a cidade”. Acompanhando a reunião, a deputada estadual Andréia de Jesus (Psol) parabenizou a vereadora pelo novo cargo assumido, destacando a conquista de se ter uma mulher à frente da presidência de uma comissão parlamentar, “sabendo que a capital tem influência na região metropolitana”.
A deputada, que atua como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, contou que tem viajado diferentes cidades do estado impactadas pelas fortes chuvas e destacou a situação trágica que tem vivido a população de Sabará, na região metropolitana. Andréia de Jesus alertou para a responsabilidade da capital em suas escolhas administrativas e políticas, uma vez que podem impactar muitos municípios no entorno. “O meio ambiente está cobrando da gente uma postura diferente. Por isso é tão importante atuar de forma integrada, como a Gabinetona tem feito”, afirmou a deputada.
Crime de responsabilidade
Alertando para importância do acesso à informação para que o trabalho de fiscalização dos parlamentares possa ser feito, a Comissão aprovou o envio de novo ofício ao Ministério Público de Minas Gerais, reforçando a insatisfação com a prática recorrente da Prefeitura em não responder aos pedidos de informação enviados pelos vereadores.
Autor do requerimento, o vereador Mateus Simões (Novo) explicou que “a cada vez que o Executivo não responde um pedido de informação, o prefeito comete crime de responsabilidade”, uma vez que é obrigado a prestar contas de suas ações. “Ele não pode nos manter no escuro. Não em relação à gestão dos recursos públicos na administração municipal”, alertou o vereador.
Mateus Simões destacou que o MP já havia sido oficiado pela Câmara e, apenas depois disso, o prefeito teria enviado as respostas solicitadas pelos vereadores. Os documentos recebidos mostram, segundo Simões, que as áreas técnicas da Prefeitura já haviam se mobilizado para responder as demandas no prazo legal, no entanto, teria sido feita “uma escolha política do prefeito de não enviar as respostas aos parlamentares”.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional