ENFRENTAMENTO À COVID

Especialista do Comitê da PBH afirma que flexibilização agora está fora do radar

Em audiência, estudiosos explicaram ações para controle do vírus na cidade. Reunião também debateu monitoramento da rede de esgoto

terça-feira, 14 Julho, 2020 - 19:15

Foto: Abraão Bruck/CMBH

A flexibilização que irá permitir a retomada da atividade comercial não essencial na cidade está fora do radar da equipe que integra o Comitê de Enfretamento à Epidemia da Covid-19 em BH. A afirmação é do médico e professor da UFMG Unaí Tupinambás, que integra o comitê da PBH, e foi feita na manhã desta terça-feira (14/7), durante audiência pública realizada pela Comissão Especial de Estudo para Enfrentamento da Covid-19.  No encontro que debateu metodologia e ações para controle da expansão do coronavírus na cidade, foi discutido ainda o projeto-piloto Monitoramento Covid Esgotos, que tem o objetivo de avaliar a presença do SARS-CoV-2 nos efluentes de Belo Horizonte e Contagem. 

R0 abaixo de 1 e flexibilização 

O R0 (pronuncia-se Rzero) ou RT é o índice básico de transmissão do vírus e aponta para o número de outras pessoas que um indivíduo infectado vai contaminar. Ou seja, se o R0=2 indica que uma pessoa infectada deve transmitir a doença para outras duas. Assim, apenas quando o R0 for inferior a 1, por ao menos duas semanas seguidas é que a epidemia começa a ser vencida, e a atividade comercial pode ser gradativamente retomada. As explicações são do médico Unaí Tupinambás, que informou que Belo Horizonte já teve taxas de 1.11, quando foi decidido pelo refechamento do comércio, e agora vem apresentando taxas decrescentes. “Ontem estávamos com uma taxa de 1.07. Vem caindo, é verdade, mas acima de 1 ainda é problema. Se colocarmos este R0 em 0,5, por exemplo, vencemos a epidemia em questão de semanas”, explicou.

Ainda segundo Unaí, além das medidas que foram tomadas lá atrás, no início do mês de março, para o fechamento do comércio, a rede de saúde estruturada e de boa qualidade tem permito bons resultados à cidade. Além disso, de acordo com o professor, a rede pública de saúde tem conseguido se preparar abrindo novos leitos de CTI e enfermaria. “A Prefeitura abriu 20 ontem, sete hoje e até final da semana que vem serão mais oito, mas mesmo sem abertura de leitos, a taxa de ocupação no fim de semana caiu de 92% para 89%”, contou Unaí, que lembrou que não é possível só abrir leitos e relaxar, mas manter a vigilância e prevenção enquanto o vírus estiver circulando.

Número de casos e testagem

E se a circulação do vírus é motivo para preocupação, BH, Minas Gerais e o Brasil devem ficar atentos. Segundo o infectologista Carlos Starling, que também integra o comitê da PBH, a imprensa mostrou muitos casos de países que tiveram curvas em ascendência, pico e arrefecimento da doença, como Espanha, Alemanha e França; porém, trata-se de países pequenos, e em regiões continentais como nos EUA e no próprio Brasil o comportamento da transmissão é diferente e a epidemia acontece em várias regiões ao mesmo tempo. Para Starling, no caso dos EUA, por exemplo, o que parece é que o país alcançou um platô e estacionou com uma alta taxa de transmissão – com o R0=1. “No nosso caso ainda não sabemos se atingimos este pico. Algumas regiões sim, como Manaus, Belém do Pará e Fortaleza. Mas no Brasil como um todo, ainda temos uma tendência de aumento progressivo”, afirmou o infectologista, que lembrou ainda que municípios mineiros, por exemplo, têm tido aumento de casos em função da influência de regiões mais afetadas, como é o caso de Uberlândia e Extrema, com forte ligação com o estado de São Paulo.

De acordo com o Boletim Epidemiológico e Assistencial que é divulgado pela Prefeitura, diariamente, a cidade tinha ontem 270 óbitos causados pela Covid-19, e já somava 10.618 casos confirmados da doença. Segundo Carlos Starling, as curvas de Minas Gerais e de Belo Horizonte ainda mostram uma aceleração, porém estes números poderiam ser muito maiores se as medidas de intervenção apresentadas pela Prefeitura não houvessem sido tomadas. “Hoje temos 270, mas era para termos mais de três mil óbitos. Não temos porque o município se preparou. Isso significa oportunidade de tratamento e vida para as pessoas”, destacou o médico, lembrando que mais de 2.500 pessoas foram salvas por causa destas medidas.

Questionado pelo vereador Dr. Bernardo Ramos (Novo) sobre a falta de testes para a população, uma vez que os países mais bem sucedidos no combate à epidemia realizaram testagem em massa em suas populações, Starling disse que em função da novidade e da aceleração com que a epidemia se espalhou os testes foram feitos de forma muito rápida, o que comprometeu a qualidade dos mesmos. Ainda segundo o infectologista, além da dificuldade de aquisição, o Brasil não tinha e não tem uma indústria preparada para produção destes testes, o que inviabilizou a testagem em massa. “Testar as pessoas neste momento tem um objetivo muito claro, que é colocá-las em isolamento. Mas aqui não tínhamos testes, e os testes rápidos são apenas para identificar pessoas que já tiveram a doença. Então testar, testar e testar não é um dogma que vai evitar que a epidemia progrida”, argumentou.   

Divergência na condução da crise e politização

Discordâncias sobre a testar a população em massa ou não, não são, aliás, a única divergência entre os especialistas. Para o médico infectologista da Fiocruz, Rômulo Paes, que caracteriza a epidemia como uma crise sanitária e humanitária, com impactos na saúde, economia e nos governos de todo o mundo, a falta de acordo sobre a melhor forma de conduzir o momento tem gerado e amplificado conflitos sociais e políticos. Segundo Paes, a velocidade da epidemia reflete o modo de vida que adotamos. “Nunca tivemos um nível de integração de economias e integração social tão alto. De novembro do ano passado até agora já são 13 milhões de pessoas infectadas no mundo, com 580 mil mortes. Isso revela o quão integrados nós estamos”, avaliou.

Para o especialista, entretanto, é este mesmo cenário global acelerado que nos dará alternativas para a crise. Segundo Paes, a resposta da humanidade num sentido global tem sido célere, mobilizando as nossas competências para enfrentar a pandemia do ponto de vista tecnológico, científico e da produção de conhecimento. “Até então a vacina mais rápida que foi produzida no mundo gastou quatro anos para ficar pronta; essa (da Covid-19) esperamos para um ano, um ano e meio. Medicamentos: existem hoje cerca de 300 sendo reposicionados”, observou.

E se a crise é global, os desafios também parecem ser mais ou menos os mesmos em todos os países. Segundo o infectologista, a dificuldade de criação de convergência, com uma comunicação clara sobre a condução da crise tem sido um desafio mundial, o que foi acentuado no nosso país, que já vivia uma forte polarização política e um fenômeno que ele chama de ‘desconstituição da institucionalidade’. “É muita gente dizendo olha o Supremo Tribunal não é importante, o Executivo não é importante, os políticos todos não são importantes, a ciência não é importante, e o que os outros estão fazendo não é importante. O importante são as minhas convicções locais e das pessoas com as quais eu compartilho destas convicções no WhatsApp”, argumentou Paes, que destacou que muitas das respostas confusas identificadas nos municípios vieram deste tipo de percepção.

Vírus no esgoto

Já na segunda parte da audiência, Sérgio Moraes, técnico do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) falou sobre o projeto-piloto Monitoramento Covid Esgotos. Sefundo Moraes, o objetivo é monitorar a presença do novo coronavírus em efluentes, que são resíduos provenientes de indústrias, esgotos e redes pluviais lançados no meio ambiente, a fim de gerar dados para que possam subsidiar a ação do poder público no controle da epidemia. “Esperamos que os resultados possam ser utilizados para decisões tão importantes como esta falada aqui, sobre o abrandamento ou rigor das medidas de isolamento e reabertura da atividade comercial”, avaliou.

Ainda segundo o técnico, o trabalho é fruto de uma cooperação entre a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT ETEs Sustentáveis - UFMG), em parceria com o Igam, a Copasa e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, e a expectativa é que haja uma expansão nos próximos meses em sua área de abrangência.

Perguntado pelo vereador Gabriel (Patri) se o comitê da PBH já se utilizava dos dados coletados pelo projeto, Carlos Starling, disse que ainda não, pois a pesquisa está ainda em fase de elaboração, mas ressaltou, porém, que os dados podem ser sim de grande contribuição para as ações do comitê.

Assista ao vídeo com a íntegra da audiência pública

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para debater e obter informações acerca do projeto-piloto Monitoramento COVID Esgotos, que tem o objetivo de monitorar a presença do SARS-CoV-2 -  13ª Reunião - Comissão Especial de Estudo: Enfrentamento da Covid-19