Profissionais e entidades de saúde mental defendem fechamento de leitos psiquiátricos
Conselho Regional de Medicina e Sindicato dos Médicos são favoráveis à manutenção dos leitos para pacientes em sofrimento mental
Foto: Abraão Bruck/CMBH
"O que está em disputa na manutenção do Hospital Galba Velloso?" A pergunta foi feita pela psicóloga e integrante da Comissão Estadual da Reforma Psiquiátrica, Janaína Dornas, e serve para balizar o debate que norteou a audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor ocorrida nesta quarta-feira (15/7). O debate contou com representantes das mais diversas entidades e instituições ligadas ao tratamento em Saúde Mental em Minas Gerais que discutiram, durante cerca de três horas, sobre a proposta feita pelo Governo do Estado de fechamento dos leitos psiquiátricos da unidade.
Conforme requerimento que solicitou a audiência, “durante a pandemia do Covid-19, o governo de Minas Gerais determinou a transferência dos pacientes do Hospital Galba Velloso para o Instituto Raul Soares, ambos especializados no cuidado a pacientes da saúde mental, no intuito de disponibilizar leitos ao tratamento de pacientes infectados com a Covid-19.” Ainda segundo o requerimento, por este motivo, no “dia 24 de junho de 2020 foi realizada audiência pública pela Comissão de Saúde e Saneamento com a finalidade de "discutir a importância e a permanência do funcionamento” da psiquiatria do hospital. Para os vereadores Bella Gonçalves (Psol), Cida Falabella (Psol), Edmar Branco (PSB), Arnaldo Godoy (PT), Pedro Patrus (PT) e Gilson Reis (PC do B), que assinaram o requerimento, “a questão, para além dos debates mais atinentes estritamente às políticas de saúde, tem profundas repercussões no que diz respeito à garantia integral de direitos humanos” e, conforme a Lei 10216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, “a política de saúde mental passou a se fundar na desinstitucionalização e na atenção psicossocial pelo cuidado em liberdade, com inclusão social e convívio familiar e comunitário.”
Segundo a psicóloga Janaína Dornas, “o processo de fechamento gradual (dos leitos psiquiátricos) do Galba Velloso faz parte da política estadual e é importante para a inclusão dos usuários”. Ainda de acordo com a psicóloga, existem hoje 130 leitos registrados no hospital e dos 885 atendimentos feitos na instituição nos três primeiros meses deste ano, 511 não necessitaram de leitos e outros 77 utilizaram os leitos por apenas 24 horas. “O Hospital Galba Velloso não é referência no Estado e muitos de seus usuários permanecem lá sem indicação psiquiátrica”, disse Janaína, que recebeu o apoio de Leida Maria de Oliveira, conselheira Estadual de Saúde, integrante do Fórum Mineiro de Saúde Mental e familiar de usuária da Saúde Mental. “Uma das pessoas transferidas do Galba Velloso para o Raul Soares é um jovem de vinte anos de idade que há dois anos estava sendo procurado pela família. Por quanto tempo mais ele ficaria trancado e longe de seus familiares? O lugar mais humano não é dentro de um hospital psiquiátrico como foi dito por alguns na audiência do dia 24. É sim junto de seus familiares”, afirmou Leida.
Serviços substitutivos
Representando a Gerência de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Fernando Siqueira também é a favor do fechamento dos leitos psiquiátricos do Galba Velloso. Segundo ele, há uma rede de atendimento de pessoas com sofrimento mental em Belo Horizonte (os chamados Serviços Substitutivos), capaz de atuar de forma mais humana e eficiente. “Estamos aqui discutindo o trabalho em saúde mental de Belo Horizonte, a cidade e os equipamentos de saúde mental de BH, que tem uma rede robusta e atende a todos que precisam dos serviços. BH é capaz de atender toda a demanda de saúde mental. Podemos ficar sem o hospital, pois sempre nos posicionamos contrários às internações no Galba Velloso e no Raul Soares”, disse Siqueira, contando que os dois hospitais não fazem parte da rede de assistência da cidade e que em BH existem diversos serviços de saúde mental, com equipes em todas as 152 unidades de saúde, Cersams, Centros de Convivência, Serviços Residenciais Terapêuticos, leitos de retaguarda em Hospital Geral, entre outros. BH conta ainda com nove centros de convivência onde estão pessoas que fazem readaptação, o que, segundo o representante do Município, “os manicômios estão longe de fazer”.
Laura Fusaro é da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais e usuária da rede substitutiva. Para ela, que também defende o fechamento dos leitos psiquiátricos, não há mais espaços para a institucionalização de pessoas com sofrimento mental. “Será menos um lugar para depositar moradores de rua, idosos e usuários da saúde mental. São R$ 2,8 milhões utilizados para uma política obsoleta. Temos orgulho de sair dos porões dos hospitais para participar de espaços como este aqui”, disse Laura, afirmando que este é o valor investido anualmente para manter o Hospital Galba Velloso, conforme dados oficiais apresentados pela Fhemig .
Na defesa dos leitos
A permanência dos leitos psiquiátricos da unidade é defendida por integrantes do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) e do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG). Conforme explicou Paulo Roberto Repsold, integrante da Câmara Técnica de Psiquiatria do CRM-MG, há casos em que o tratamento médico de urgência é a saída mais eficaz para a pessoa com sofrimento mental. “Há casos em que se precisa de tratamento 24 horas por dia. Um hospital, dentro de uma rede, é fundamental. O tamanho é que deve ser definido conforme o período em que se vive. Não podemos olhar para um hospital psiquiátrico como víamos nos séculos XVIII ou XIX. Parece que colocam o hospital como uma unidade prisional”, avaliou o médico, explicando que medicamentos apropriados para o tratamento só surgiram na década de 50 e que a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) disse que o fechamento dos leitos seria temporário por causa da pandemia.
Segundo Gláucia Ângela, do Sindicato dos Médicos, o hospital é importante, pois o paciente deve ser tratado na sua integralidade. “O paciente é um doente como todo. A média de internação no hospital é de 10 a 15 dias, que é o tempo em que um medicamento consegue fazer efeito; e que o Galba Velloso é para toda Minas Gerais. Não há dúvida de que a desospitalização é um ganho, mas não sendo acolhido (o paciente) vai virar um morador de rua ou um marginal. Há um estigma em torno do nome do Galba Velloso e seu fechamento vai prejudicar muitos pacientes”, salientou a médica.
Ana Marta Lobosque, da Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica, é contrária à defesa feita pelo CRM e pelo Sinmed. Para ela, a manutenção dos leitos “faz mal às pessoas com sofrimento mental”. “Não há motivo racional que diga que uma pessoa em sofrimento mental tenha que ficar em hospital psiquiátrico”. Segundo a médica, as pessoas em quadros psiquiátricos graves e agudos, necessitam sim, de cuidado intensivos, com acompanhamento constante e atento de profissionais especializados, que conversem com o paciente, que considerem seu sofrimento e procurem entender o que se passa com ele, medicando-o quando necessário, convidando-o para atividades que o interessem e acalmem. Este cuidado intensivo pode ser, e é, oferecido nos CERSAMs, que são os serviços belo-horizontinos de atenção à crise. Estes serviços funcionam dia e noite, e neles o paciente pode permanecer pelo tempo que for necessário, recebendo acompanhamento contínuo, solidário e cuidadoso. A importância destes serviços foi ressaltada também por Jarbas Vieira de Oliveira, representante do Conselho Regional de Enfermagem. Segundo ele, não há necessidade de hospital psiquiátrico para isso; pelo contrário, em hospitais como o Galba Velloso, os pacientes permanecem isolados, cercados por muros e grades, apartados dos profissionais que deveriam estar próximos a eles. “O hospital psiquiátrico não oferece cuidados intensivos, e sim uma falta intensiva de cuidados”, declarou.
A audiência, ocorrida de forma remota, contou com as presenças de Bella Gonçalves, Cida Falabella, Dr. Bernardo Ramos (Novo), Edmar Branco, Gilson Reis e Pedro Patrus e foi encerrada por ter utilizado todo o tempo regimental de três horas. A discussão continuou informalmente após o encerramento da reunião.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional