MULHERES E CRIANÇAS

Em debate violência doméstica no contexto de isolamento social

Papel da escola e rede de proteção capaz de acolher as vítimas em situações complexas foram destaques 

sexta-feira, 30 Abril, 2021 - 19:30

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

Os efeitos do isolamento social imposto pela pandemia do covid-19 na vida de mulheres, crianças e adolescentes que sofrem com violências e agressões diversas foram abordados em audiência pública nesta sexta-feira (30/4). Às vésperas de iniciar o Maio Laranja – uma campanha de proteção a exploração sexual de crianças e adolescentes – a Comissão de Mulheres convidou médicos e representantes da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado de Minas Gerais e de organizações civis para falar dessa face perturbadora da pandemia que é o aumento crescente da violência contra mulheres e crianças e a diminuição de casos registrados presencialmente. A necessidade de reforçar uma rede de proteção desses indivíduos, de retomar políticas públicas de proteção e o papel da escola como ambiente acolhedor e facilitador de denúncias estão entre os temas debatidos.

Agressões e abusos dentro de casa

Autora do requerimento, a vereadora Flavia Borja (Avante) afirmou que 70 % dos casos de violência acontecem dentro de casa e que as mulheres, além de serem as maiores vítimas, são as que mais sofrem com a sobrecarga de trabalho. De acordo com a vereadora, existe uma subnotificação da violência contra as mulheres. “A campanha Maio Laranja é uma forma de conscientizar a sociedade sobre esse mal e exigir do poder público ações efetivas para combater o problema”, disse.

Para o diretor nacional da Rede Infância Protegida e presidente do Instituto Atos, Washington Sá, o isolamento social, por si só, já é uma violência que traz emoções como solidão e tristeza, que afetam também as crianças. Washington Sá destacou que o fechamento das escolas trouxe como consequências o distanciamento dos amigos e, principalmente, a redução de denúncias de agressão que surgem nesses ambientes. “Se a criança fica mais tempo em casa com o agressor e não tem oportunidade de verbalizar, ela sofre ainda mais. A escola é um local onde as denúncias aparecem com mais facilidade tendo em vista o vínculo afetivo com colegas e professores, é onde as crianças se sentem seguras para falar de sentimentos e emoções”, afirmou. Sobre o papel dos conselheiros tutelares, Washington Sá falou sobre a sobrecarga de trabalho e da insuficiência de profissionais para atender toda demanda de violência contra a criança. 

Diretora de Prevenção Comunitária e Proteção à Mulher da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública, Tatiane Maia, também se mostrou preocupada com as consequências do isolamento ao afirmar que a violência normalmente ocorre em ambiente privado e afeta não apenas as mulheres, mas inclui os filhos, que acabam sofrendo violações diversas. Para ela, as políticas de combate à violência doméstica devem conversar de forma integral para enfrentar uma situação que ela define como complexa, problemática e desafiadora. Tatiane explicou que a secretaria conta com programas e estratégias diversas e destacou o trabalho realizado pelo Programa de Mediação de Conflitos no atendimento de mulheres que sofrem com violência doméstica. “Somente neste ano, atendemos mais de 300 mulheres e 58 crianças em BH e nossa proposta é trabalhar preventivamente. Para isto mobilizamos referências comunitárias para fortalecer as redes de proteção e realizamos encontros virtuais constantes para criar estratégias capazes de alcançar as mulheres nos territórios”, afirmou.

Questionada pela vereadora Macaé Evaristo (PT) sobre como se dá o afastamento e abrigamento das vítimas, a diretora explicou que são desafios e situações que requerem entender o contexto para fazer encaminhamentos, não sendo possível ter uma solução padrão. “Uma das estratégias adotadas é o fortalecimento da rede, tendo em vista que a violência se apresenta em todas as classes sociais e que é necessário pensar na vulnerabilidade de cada vítima e na falta de acesso de muitas outras, promovendo diálogos constantes”, concluiu.

Impactos financeiros e emocionais do confinamento

A forma como pandemia tem refletido nas condições financeira e psicológica das famílias, foi destaque na fala da advogada Mônica Rodrigues, idealizadora do Instituto Adotar. Mãe adotiva de duas crianças e de um filho biológico, Mônica destacou que a falta de renda fez com que muitas famílias passem de carentes para miseráveis. Segundo ela, a perda de renda e, consequentemente, da capacidade de prover o necessário leva os pais a um nível de estresse tão grande que aumenta o risco de agressão doméstica. Ela relata que em suas visitas a comunidades, percebeu que as mães estão estressadas, entristecidas e agressivas e que as crianças também têm sofrido com essa situação. 

A pediatra Filomena Camilo do Vale confirmou que casos de violência física e sexual não escolhem classe social e que já apareciam em seu consultório muito antes da pandemia, mas que, com o isolamento social, as crianças tiveram suas oportunidades de denúncia reduzidas. Para ela, a pandemia trouxe ainda um sentimento de pânico vivido pelas crianças cujos pais não conseguem ter equilíbrio diante do risco de contágio e se mostram demasiadamente preocupados com limpeza e isolamento. Ela explicou que crianças que vivem a pandemia no interior têm oportunidade de brincar na rua, nas praças, nos quintais e que essas atividades reduzem o estresse e possibilitam o relacionamento com outras pessoas além daquelas do convívio doméstico. 

Já nos grandes centros urbanos, crianças e adolescentes ficam confinados em apartamentos, sem contato com outras pessoas e sem atividade física, e isso tem gerado um comportamento inadequado no qual as crianças têm medo de tudo. Essa situação, agravada pela ausência da convivência escolar que propicia não só a socialização da criança e do adolescente, mas também um acompanhamento diário de professores, ainda segundo a pediatra, pode dificultar e muito a identificação de casos de abusos ou agressões. 

O presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil, Rodrigo Carneiro Campos, também destacou que a violência infantil é um fenômeno mundial e que negligenciar situações que geram bem-estar para crianças e adolescentes também é violência. O neuropediatra afirmou que estamos vivendo uma epidemia de transtornos comportamentais na infância e na adolescência e que isso tem a ver com o ambiente emocional inadequado em que estas crianças vivem. Segundo ele, é papel da sociedade promover um ambiente seguro para o desenvolvimento saudável da criança e que é uma grande violência levar a infância entre quatro paredes. “Os pais não têm essa consciência e permitem que os filhos sejam submetidos a uma exposição digital inadequada na forma e na intensidade e a todo tipo de informação sem filtro. Isso é negligenciar a condição da criança”, afirma. 

A vereadora Macaé destacou o papel da escola como espaço de escuta e acolhida das crianças e chamou a atenção para o perigo de projetos que procuram cercear o diálogo entre alunos e professores, limitando temas que podem ser abordados em salas de aula. A parlamentar destacou a importância de políticas intersetoriais no enfrentamento de questões complexas como violência doméstica.

Já Iza Lourença (Psol) propôs a constituição de um comitê intersetorial como forma de fortalecer uma rede de proteção capaz de realizar buscas ativas em casos de violência doméstica e afirmou que vai fazer um estudo para viabilizar a efetivação da proposta. Ela enfatizou que, embora seja a favor do retorno às aulas, não acredita ser o momento mais adequado tendo em vista os altos números de contágio e de ocupação de leitos vivenciados na cidade.

Também participram da audiência pública as vereadoras Professora Marli (PP); Bella Gonçalves (Psol); Fernanda Altoé (Novo);  e Marilda Portela (Cidadania). 

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência Pública com a finalidade de debater o tema "Ameaça e violência contra mulheres e crianças em tempo de pandemia