Suplementares afirmam que falta de regras no subsídio prejudica o serviço
Permissionários não recebem por gratuidades transportadas; devoluções de vales antecipados estão sendo feitas em dinheiro
Foto: Bernardo Dias/CMBH
“Eles (Prefeitura) querem sufocar vocês. Tirar o ar, até vocês acabarem”. Assim o vereador Irlan Melo (Patri) definiu a situação dos permissionários do transporte coletivo suplementar após ouvir as oitivas dos presidentes do sindicato e do consórcio da categoria. Jeferson Luiz Gazolla Palhares, presidente do Consórcio Transuple e Júlio César Guimarães, presidente do Sindpautras, foram ouvidos na manhã desta quinta-feira (5/10) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Ônibus sem Qualidade. Em depoimento, os dirigentes contaram que desde que recursos públicos começaram a ser repassados ao transporte coletivo na cidade, primeiro por meio da compra antecipada de vales-transportes e depois por meio de subsídios aprovados pela Câmara, a categoria nunca foi chamada para conversar com a PBH ou a Superintendência de Mobilidade do Município (Sumob) sobre os cálculos dos percentuais que iriam receber. Além disso, confirmaram que o repasse acertado em acordo no Tribunal de Justiça/MG, que determinou 10% de percentual à categoria, não foi totalmente cumprido. A Transfácil teria realizado descontos a título de assessoria jurídica (6.5%) e taxa de administração (1.8%), que somadas chegaram a quase 9% sobre cada parcela. Segundo os permissionários, outra irregularidade seria a devolução em dinheiro do valor adiantado da compra de vales-transportes, quando o acordo judicial determinava a devolutiva por meio de prestação de serviços. A categoria, segundo eles, ainda sofre tratamento desigual perante o transporte coletivo convencional, já que não recebe nenhum valor pelas gratuidades concedidas aos usuários. Parlamentares que acompanharam as falas ficaram indignados com a falta de regras, a confusão nos números e o tratamento desigual por parte da Prefeitura. Braulio Lara (Novo) disse que esses repasses se transformaram em outra caixa preta que ninguém consegue decifrar, e Fernanda Pereira Altoé (Novo) cobrou responsabilidade do Município no trato com o recurso público.
Ofícios sem resposta
Mesmo após enviar diversos ofícios à BHTrans relatando as dificuldades enfrentadas com a pandemia, o que implicou em perda de receita para o sistema, Jeferson Gazolla, que à época era presidente do Sindpautras, contou que nunca obteve retorno da empresa sobre seus pedidos e que, em meados de março de 2020, soube pela imprensa que a Prefeitura estudava a possibilidade de compra antecipada de créditos de vales-transportes. O dirigente contou ter solicitado que os suplementares fossem incluídos no benefício, mas, mais uma vez, teria ficado sem resposta, tendo sido contatado apenas em maio pela Transfácil, quando obteve a informação de que receberiam 10% do valor que a Prefeitura vinha repassando ao sistema.
Perguntado por Irlan Melo se houve alguma reunião ou conversas com a Prefeitura sobre a construção do percentual, Gazolla explicou que nunca foram chamados pelo Município. “A PBH ou Transfácil não alertaram que vocês teriam direito ao benefício”? “Não. Soubemos pela imprensa”, explicou o dirigente, contando que os sete primeiros repasses foram no percentual acordado, mas que, a partir de agosto, o cálculo foi alterado e eles não tiveram informações sobre o quanto iriam receber. “Eles ligavam e diziam que dia tal íamos receber. O momento era ruim por causa da pandemia, não tinha como ter reuniões presenciais. Hoje, sabemos que a BHTrans utilizou memórias de cálculo do transporte de pessoas, para definir esse percentual”, explicou.
Assessoria jurídica e taxa de administração
Ainda em 2020, uma ação no Tribunal de Justiça determinou um acordo entre Prefeitura e empresários e, no total, R$ 220 milhões em antecipação de créditos foram destinados ao sistema. Segundo Gazolla, desse montante, cerca de R$ 17,3 milhões foram repassados aos suplementares e aproximadamente R$ 1,4 milhão foi retido pela Transfácil. “Tínhamos um contrato com a Transfácil e, quando era recebido, eles descontavam a taxa de administração”, contou.
Questionado sobre o valor retido, o dirigente disse que a Transfácil justificou que os descontos eram para cobrir custos de assessoria jurídica e taxa de administração, já que o suplementar não comercializa vales-transportes. Fernanda Pereira Altoé, entretanto, recordou que em depoimento recente na CPI, o presidente da Transfácil negou que a empresa preste assessoria jurídica e cobrou a responsabilidade da Prefeitura. “Mas não havia passageiros (para transportar) e mesmo assim o desconto foi feito? Tinha alguma decisão do Município ou do Consórcio por escrito sobre isso? Sei que não cabia a vocês o questionamento, quem deveria cuidar da lisura desse recebimento é o Município, porque é dinheiro público”, afirmou.
Devolutiva em dinheiro x prestação de serviços
Outro ponto abordado pelos parlamentares é a forma como está sendo feita a devolução dos créditos antecipados pela Prefeitura. Fernanda Pereira Altoé lembrou que os ônibus convencionais estão devolvendo em forma de prestação de serviços, enquanto que o suplementar o faz em dinheiro. Em depoimento, o presidente da Transfácil disse que essa havia sido uma opção do Sindpautras, mas Gazolla negou a solicitação. “Não foi uma decisão do sindicato não. Recebi e-mail do Transfácil falando o valor que teríamos que devolver e aí fomos devolvendo”, contou.
Questionado por Irlan Melo sobre como os valores recebidos eram repassados a cada permissionário, Gazolla disse que, em função de falta de orientação por parte do Município, baseou-se em cadastro. “Solicitamos na BHTrans como seria feito o repasse aos permissionários e a empresa não respondeu, disse que a gente é que tinha que decidir. Então dividimos de forma igualitária, a partir do cadastro de permissionários que estavam em operação”, contou.
Município não repassa gratuidade
O Sindpautras hoje é dirigido por Júlio César Guimarães. Em sua oitiva, o presidente da entidade foi questionado por Fernanda Pereira Altoé sobre como funciona a gratuidade e se o permissionário recebe por ela, ao que Guimarães afirmou que os suplementares não recebem nada, nem com o cartão BHBus, nem com o idoso que utiliza a carteira de identidade no transporte. “Mas a gratuidade deve ser dada pelo Município e não pelo permissionário. O convencional recebe no momento da revisão tarifária. Então vocês trabalham de graça no caso da gratuidade?", questionou a parlamentar.
Segundo Guimarães, a única ajuda que tiveram veio no fim do ano passado, ou início deste ano - não se recorda bem - por meio de recursos enviados pelo governo federal; mas, mesmo assim, bem abaixo do que eles transportam. Questionado por Irlan Melo, se é possível contabilizar as gratuidades transportadas, o dirigente afirmou que as que rodam com o cartão é possível, mas as que utilizam apenas identidade não. “A proporção (cartão e identidade) é de meio a meio”, afirmou.
Fernanda Pereira Altoé demonstrou indignação com a informação e ressaltou o tratamento desigual em relação aos empresários do transporte convencional. “Nos R$ 220 milhões, o convencional ficou com o crédito. Como ele (o crédito) é maior que o prazo de contrato (encerra em 2028) estão desovando tudo na gratuidade. Então, eles irão receber pelo vale saúde, vale da mulher e do estudante e, então, vão receber duas vezes. E vocês têm que pagar em dinheiro”, avaliou.
Irlan Melo e Braulio Lara também viram com preocupação as informações trazidas pelos dirigentes. “Estamos vendo uma nova caixa preta sendo criada. A mistura dos números é tão grande que não é possível acompanhar para onde os valores estão indo, não sabemos, até agora, para onde o dinheiro público está indo”, afirmou Braulio.
Já Irlan disse que as portas da Câmara Municipal estarão sempre abertas para os trabalhadores dos suplementares e falou do lobby dos empresários do transporte convencional. “Do outro lado existe um lobby pesado e uma política feita com o fígado. Mas aqui não tem ninguém fazendo lobby, mas defendendo o interesse da população, das pessoas que utilizam o transporte suplementar. E eu concordo com a Fernanda (vereadora), a chave do transporte coletivo está no suplementar”, finalizou.
Assista à íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional