Ex-gerente teve contato com documentos sumidos ao menos duas vezes em 2020
Consultas foram nos meses de março e agosto. Ao diretor, entretanto, Adilson disse que achava que papéis estavam na PGM
Foto: Abraão Bruck/CMBH
O ex-gerente de Estudos Tarifários e Tecnologia da BHTrans, Adilson Eupídio Daros, teve contato ao menos duas vezes no passado com as caixas que contém os documentos do processo licitatório e o contrato da concessão do serviço de transporte público da cidade, assinado em 2008 entre o Município e as empresas de ônibus, e que estiveram sumidos durante o primeiro semestre desse ano. Nos meses de março e agosto, o ex-gerente assinou requisições dos papéis à empresa que faz a guarda dos documentos da BHTrans. A informação foi confirmada pelo próprio Adilson durante depoimento dado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da BHTrans, na tarde desta terça-feira (28/9). Antes das declarações do ex-gerente, a investigação ouviu o ex-procurador-geral do Município, Marco Antônio Rezende, que admitiu estar no cargo em 2011, quando se tem registro da última movimentação das caixas. O ex-PGM ainda confirmou consultoria prestada por sua empresa ao Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de BH (Setra/BH), em 2013, dois anos após deixar a Prefeitura, e creditou o serviço ao seu conhecimento aprofundado acerca do contrato. Pelas consultorias Marco Antônio teria recebido cerca de R$ 500 mil. Agendada para ser ouvida também nesta data, Cristiana Maria Fortini, ex-procuradora adjunta, ingressou com mandado de segurança e não compareceu à reunião, o que foi lamentado pelo presidente da CPI, Gabriel (sem partido), que disse acreditar que a advogada teria muito a contribuir.
Acreditava estar na Procuradoria
A Nex Tecnologia em Gestão da Informação é a empresa terceirizada que faz a guarda dos documentos da BHTrans e ao que tudo indica foi onde as caixas que contém o contrato de concessão do serviço de transporte público de BH estiveram nos últimos anos. Mas o que parlamentares da CPI querem entender é porque, mesmo fazendo duas requisições dos papéis no ano passado, nos meses de março a agosto, o ex-gerente da BHTrans, Adilson Eupídio, quando questionado pela diretoria da empresa sobre onde estavam as caixas, informou acreditar que estivessem na Procuradoria-Geral do Município. Na CPI nesta tarde, Adilson creditou a resposta ao calor do momento em que foi feita a pergunta e afirmou que como não houve nenhum feedback sobre o que tinha dito, acreditou estar tudo certo.
O ex-gerente depôs na CPI na condição de investigado e logo na primeira interação com membros da CPI foi informado pela possibilidade de prisão a partir da sua conduta. Acompanhado de seu advogado, Arthur Maciel Discacciati, Adilson explicou que em algum momento as caixas chegaram à BHTrans e até o ano passado não tinham sido requisitadas. “Não fui eu que recebi e foi dado o tratamento que é dado aos documentos importantes, catalogar e despachar para a empresa”, afirmou.
O ex-gerente é também parte de outro ponto que a CPI tenta esclarecer, desta vez quanto aos valores repassados pelo Município para socorrer as empresas de ônibus. A quantia, que começou a partir de uma transferência de R$ 5 milhões em 25 de março, veio sendo repassada mês a mês, e em maio deste ano o montante chegou a cerca de R$ 224 milhões. Em depoimento dado à CPI, Alberto Lage, então chefe de gabinete do prefeito, teria dito que o pedido para a compra antecipada de vales-transportes feita pelo Município teria sido sugestão do ex-presidente da BHTrans, Célio Bouzada, a partir de nota técnica assinada por Adilson.
Questionado sobre o estudo que embasou a nota, o ex-gerente minimizou a importância do documento e disse tratar-se apenas de uma análise sobre o fluxo de passageiros transportados antes do período da pandemia e após o fechamento das principais atividades comerciais, feito pela Prefeitura, para conter a disseminação do coronavírus na cidade. “De fato havia uma diminuição da quantidade de passageiros. Mas ela (a nota) não cita valores. Fiz a pedido do Daniel Marx (diretor afastado) e entreguei. Não participei do cálculo de nenhum valor”, disse.
A sugestão para o adiantamento dos recursos ainda é um impasse, já que Célio Bouzada credita ao prefeito a decisão de realizar os repasses, após ouvir em reunião com os empresários queixas sobre os prejuízos gerados a partir da pandemia.
Modelo liberal
‘Um contrato menos intervencionista, digamos mais liberal’. Assim o ex-procurador-geral da PBH, Marco Antônio Rezende classificou o contrato assinado pelo Município com as empresas de ônibus em 2008. Fruto, segundo ele, de um planejamento desenvolvido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do RJ (Coppe), o modelo deixava a cargo das empresas o planejamento e a operação do sistema e o poder de fiscalização com o Município. “Na época, ninguém discutia isso no Brasil, tivemos muito resistência. Os empresários faziam pressão na Câmara e na imprensa. Tivemos várias ações judiciais para barrar a licitação”, contou.
Segundo Marco Antônio, a opção também teve um importante componente financeiro, já que nos anos anteriores a câmara de compensação tarifária que era gerida pelo Município precisou de seguidos aportes públicos para manter o equilíbrio do contrato. De acordo com o ex-procurador, não era mais possível ao Município continuar a sustentar o sistema. “Foi então que vieram conceitos como câmara de compensação privada, operação por meio de consórcios, poder público com tarefa e poder de fiscalização, fórmula paramétrica e a licitação se deu por isso, porque a administração não tinha mais como manter os termos como eram”, explicou.
O contrato de transporte público anterior, entretanto, teve a metade do prazo de duração – de 1997 a 2007. Questionado por Gabriel quanto à restrição de participação resultado dos termos adotados na licitação de 2008, em que apenas algumas famílias teriam se beneficiado do negócio, Marco Antônio discordou em parte e argumentou que esta é uma característica inerente à economia do país. “No Brasil é assim. Quantas são as famílias que estão na exploração da comunicação e dos bancos”, questionou.
Perguntado então se achava que a licitação de 2008 tinha dado certo ou errado e sobre os motivos de um prazo tão alongado para o contrato (20 anos – de 2008 a 2028) Marco Antônio disse que acredita ter dado certo sim, já que foi o modelo possível, e disse que os cálculos feitos levaram em conta o tempo e os valores de passagem que poderiam ser cobrados para cobrir os investimentos feitos pelas empresas de ônibus. “Está tudo no contrato, todos estes cálculos são mostrados lá”, afirmou.
Contrato sumido e consultoria para o Setra
O contrato, aliás, deve ser agora o objeto da investigação da CPI. Solicitado durante quase todo o primeiro semestre, os documentos apareceram há apenas cerca de duas semanas.
Durante o depoimento do ex-procurador, parlamentares ressaltaram que a última movimentação registrada na Prefeitura, em 3 de janeiro de 2011, dão conta de que as caixas se encontravam de posse da PGM. Questionado sobre o que aconteceu, já que esta documentação saiu e não voltou, Marco Antônio disse que certamente as caixas devem ter ido para a BHTrans, e que em função do sistema de controle de documentos lá ser diferente isso não aparecia no Opus, que é o software que realiza a movimentação eletrônica dos documentos. “Podem olhar. Certamente naquelas caixas lá tem um despacho meu ou da procuradora-adjunta dizendo para onde foi”, explicou.
Antes de encerrar as perguntas, Gabriel lembrou ao ex-procurador que uma das frentes que o Ministério Público de MG vem investigando é a relação das pessoas que estavam na época da licitação com as empresas e empresários do setor. Perguntado então pelo presidente da CPI sobre a consultoria que a empresa do ex-PGM teria dado ao Setra/BH, Marco Antônio explicou que os serviços foram prestados com notas fiscais e que foram dois contratos, em 2013 e 2014, sendo cada um deles no valor de cerca de R$ 280 mil. “Fomos procurados pelo Setra a partir dos problemas das manifestações com os black blocs em São Paulo. Depois, o Marcio Lacerda fez saber que não iria aplicar a forma paramétrica e isso iria impactar o equilíbrio do contrato. Então foi sobre isso”, afirmou.
Questionado então se teve alguma ligação com as leis editadas durante o período para conceder benefícios aos empresários, como a isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSNQ) e desobrigação quanto ao depósito do Custo de Gerenciamento Operacional (CGO), Marco Antônio afirmou não ter se reunido com nenhum agente público da BHTrans ou alguém da Câmara Municipal para tratar do assunto. “Foram tentativas de repor (perdas) por via de subsídio e isso não é bom para o sistema”, disse.
Perguntado, por fim, por Braulio Lara (Novo) se ao trabalhar para o Setra ele questionou o contrato que havia feito e assinado poucos anos antes, Marco Antônio afirmou que seu papel era mostrar como era possível manter o contrato e creditou ao seu conhecimento técnico anterior a oportunidade da consultoria.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional