Custo eterno: MP de Contas aponta desperdício de dinheiro em contratos
Procuradora Maria Cecília Borges se reuniu com vereadores e apresentou problemas ligados a obras de despoluição e limpeza da lagoa
Foto: Claudio Rabelo/CMBH
Sedimentos que causam assoreamento, esgoto que polui as águas, muito lixo e vegetação invasora capaz de descaracterizar a Lagoa da Pampulha. Contratos ineficientes e gasto de recursos públicos em ações sem efeito. Esses são alguns elementos causadores da intensa degradação de toda a região da orla da Lagoa da Pampulha apontados pelo Ministério Público de Contas de Minas Gerais aos vereadores, durante reunião nesta terça-feira (14/2) da Comissão Parlamentar de Inquérito da Lagoa da Pampulha. Os parlamentares ouviram a promotora Maria Cecília Borges e o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Fernando Galvão. Os dois apresentaram informações obtidas em investigação feita pelo MP de Contas que afirmam que todo o trabalho da PBH feito há anos para recuperar a Lagoa da Pampulha não surtiu efeito e pode estar ferindo critérios de economicidade e eficiência, obrigatórios em contratos executados por órgãos públicos. “O MP já expediu algumas recomendações aos agentes públicos para que identifiquem soluções técnicas eficazes. A PBH descumpriu a recomendação e apresentou respostas que não resolvem os problemas”, disse a promotora à CPI.
Importância cultural e ambiental
Em sua terceira reunião, a CPI da Lagoa da Pampulha recebeu uma enormidade de informações sobre o que está causando a degradação de toda a orla da Lagoa da Pampulha, além de detalhes de contratos e licitações executadas pela PBH há vários anos que acabaram por perpetuar problemas crônicos naquele que é um dos cartões postais mais importantes de Belo Horizonte. “Temos quatro fatores fundamentais. Os sedimentos, que causam o assoreamento do espelho d’água; a poluição das águas, causada pelo esgoto depositado na lagoa; o lixo deixado no local; e uma vegetação invasora chamada Leucena, que está tomando conta principalmente do extremo oeste da lagoa”, disse a procuradora do MP de Contas de Minas Gerais, Maria Cecília Borges. Ela acompanha de perto há anos tudo que ocorre com o patrimônio representado pela Lagoa da Pampulha e afirma que tudo que está sendo feito pela Prefeitura é incapaz de resolver os problemas na região.
“O que estamos assistindo é a mutilação e a destruição do bem tombado. É possível achar solução para esses problemas que estão interligados”, explicou a promotora, contando aos participantes que há oito córregos que desaguam na lagoa sendo seis deles no lado oeste do lago, representando 70% de toda vasão de água que chega. O lado oeste da lagoa é onde estão o Parque Ecológico, a enseada da Associação Atlética Banco do Brasil, a enseada dos Córregos Braúnas e Água Funda e a enseada dos Córregos Ressaca e Sarandi, os dois principais córregos da Bacia da Lagoa da Pampulha.
Maria Cecília fez uma ampla apresentação da importância da orla e de tudo que ela está enfrentando. Segundo ela, o local é um bem cultural protegido desde 1984, quando o governo do estado tombou como patrimônio estadual, incluindo o espelho d’água. Ela explicou que o espelho é tombado devido à sua importância ambiental, mas também cultural. Ao propor a construção dos prédios que formam o Conjunto Arquitetônico da Lagoa da Pampulha, Oscar Niemeyer trabalhou contando com a possibilidade do espelhamento dos elementos construídos, nas águas da lagoa. “A água é o elemento central com o reflexo dos monumentos e da orla”, disse a procuradora. Ela explicou ainda que dois braços da lagoa já foram totalmente assoreados, descaracterizando o projeto inicial. Um deles é o local onde foi inaugurado o Parque Ecológico da Pampulha.
Muito gasto, nada resolvido
Entre as informações trazidas pela promotora, uma é fundamental e justifica por si só a existência da Comissão Parlamentar: a ineficácia e a ineficiência da PBH para resolver o problema da poluição e degradação da lagoa e a grande quantidade de dinheiro investida em algo que não se resolve. “As contratações têm que impedir o aporte de sedimentos e poluentes na lagoa. A PBH descumpriu a recomendação (do Ministério Público) e apresentou respostas que não resolvem os problemas. BH tem tratado sozinha a celebração desses contratos e se o fez tem que fazer com eficiência e economicidade”, disse Maria Cecília, explicando que tudo isso foi dito "sem descuidar da responsabilidade da Prefeitura de Contagem e da Copasa". Para ela, pode haver uma tentativa de perpetuar a prática de seguir efetivando contratos que, além de não resolverem a questão, pioram a situação. “Há um custo eterno com milhões de reais sendo escoados pelos vertedouros da lagoa”, disse a promotora. “Dá uma sensação ruim ouvir tanta coisa. A Pampulha está sendo administrada pela PBH, que disse que daria conta sozinha. Tem máfia da Pampulha? Tem jogo de cartas marcadas?”, questionou Braulio Lara (Novo), relator da CPI.
Maria Cecília explicou que já ficou comprovado por vários estudos, e até mesmo por empresas contratadas, que não é possível resolver o problema do assoreamento, da poluição e do lixo da lagoa somente com a retirada de resíduos, tratamento da água do lago e coleta de lixo. É preciso que a lagoa não seja assoreada, não receba esgoto e nem lixo. “A maioria dos recursos são internacionais e pagos em dólar e com juros. A dívida mais que dobrou em nove anos”, explicou. “Até quando vamos ficar nesse suja e limpa da lagoa? Esses problemas têm que ser resolvidos urgentemente. Já foi dada ciência mais de uma vez”, salientou a procuradora, contando aos vereadores que há contratos que não contêm de forma correta o seu objeto, licitações suspeitas e aditivos que não se sustentam por não terem sequer a quantidade de material a ser retirado. “O cálculo estimado de sedimentos que chega na lagoa não é apresentado pela PBH. Aí se é feito um contrato de retirada de 60 metros cúbicos e chega 100, eu não consigo desassorear”, explicou. “Não estamos aqui recebendo denúncia de um mero frequentador da lagoa. Estamos recebendo do MP. Deveríamos ver o que podemos fazer para parar esses contratos. Está enxugando gelo. Temos que tirar daqui e ver o que podemos fazer para parar essa obra”, disse o vereador Jorge Santos (Republicanos).
Falta de transparência e crime
Além de contratos com suspeita de irregularidades, o MP de Contas também afirmou que não teve acesso a pelo menos um contrato em específico. É o contrato SC 050/2013, fechado entre Prefeitura, Andrade Gutierrez e Ambitec/S.A. “Onde está esse contrato de R$ 108 milhões com a Andrade Gutierrez que não foi emitido ao MP e não se encontra no Portal da Transparência da Prefeitura?”, perguntou o presidente da CPI, vereador Professor Juliano Lopes (Agir). “Será que a Prefeitura quer mesmo solucionar o problema?”, questionou. “Há um ciclo sistêmico de contratações e licitações. Os problemas são distintos, mas interligados. É um ciclo vicioso e articulado de licitações. A forma como o gasto público tem sido feito não está resolvendo”, salientou a promotora Maria Cecília. Ao final da reunião, o vice-líder do prefeito na Câmara, vereador Wanderley Porto (Patri), que também participou dos debates, disse que enviaria à CPI, naquele mesmo momento, as informações a respeito do contrato citado pela promotora entre PBH e Andrade Gutierrez.
Para o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e especialista em Direito Ambiental, Fernando Galvão, é possível que haja um crime continuado que se perpetua no município há anos. “Quando falamos em crime, temos que ver que ele ainda está acontecendo. Durante o tempo em que estive no MP, à frente da Promotoria de Meio Ambiente, não tivemos a oportunidade de compreender. A situação atual é assustadora. Como em pouco tempo houve uma mudança drástica pra pior. Acerca das ações, temos a clara impressão de ineficiência. Permitiram degradação em ritmo assustador com características que evidenciam ações com ilícito”, disse o desembargador, explicando que crimes ambientais não prescrevem, ainda mais tendo em vista essa perspectiva de que o crime ainda está em curso. “Fica uma pergunta: a PBH ainda tem a cara de pau de fazer licitação de R$ 60 milhões depois de todas as recomendações? Se fosse o prefeito, suspenderia todo o tipo de contrato atual. Essa CPI precisa ouvir a PBH”, disse Juliano Lopes, chamando os convidados a participarem de visita técnica que será feita à Lagoa da Pampulha pela CPI no próximo dia 28 de fevereiro. “Pode ter certeza que essa comissão precisa dar satisfação para a população de BH. Não se pode gastar dinheiro público e deixar ir para o esgoto. Queremos dar uma solução. Não podemos sair daqui do jeito que entramos”, finalizou Juliano.
A próxima reunião da CPI com convidados está marcada para o dia 23 de fevereiro, às 9h30, no Plenário Amynthas de Barros, quando a comissão vai ouvir o prefeito de Betim, Vittorio Medioli. Também participaram da reunião os vereadores Irlan Melo (Patri), Flávia Borja (PP), Rubão (PP) e Fernanda Pereira Altoé (Novo).
Confira aqui a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional