Burocracia teria dificultado alcance da Lei Aldir Blanc, que beneficiou setor cultural
Lei garantiu auxílio emergencial na pandemia; setor espera que nova Lei Paulo Gustavo agilize e amplie acesso
Foto: Karoline Barreto/ CMBH
“A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”. A citação da música “O Bêbado e a Equilibrista”, de Aldir Blanc, foi a escolha da artista do Movimento LGBTQIA+, Penélope Fontana, para representar as dificuldades enfrentadas pela categoria para garantir sustento durante a pandemia. A situação foi debatida em audiência pública, da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, na tarde desta quinta-feira (22/7). O encontro discutiu o impacto da Lei Aldir Blanc, em vigor desde junho do ano passado, e do projeto da Lei Paulo Gustavo (PL 73/2021), em tramitação no Senado Federal, que preveem auxílio emergencial ao setor da Cultura frente à grave crise ocasionada pela pandemia. Foram debatidas as dificuldades vividas por diversos profissionais da produção cultural, em especial, a burocracia demandada para cumprimento de critérios e acesso ao benefício, o que teria excluído diversos agentes culturais. O debate envolveu profissionais dos bastidores, grafiteiros, quilombolas, sambistas e outras categorias, muitas delas representadas no evento. A audiência foi realizada a pedido de Bella Gonçalves (Psol), Iza Lourença (Psol), Macaé Evaristo (PT) e Pedro Patrus (PT).
Auxílio emergencial
A Lei Aldir Blanc disponibilizou o repasse de R$ 3 bilhões, pelo governo federal, aos estados e municípios, para ações emergenciais de apoio ao setor cultural, em 2020. Seguindo proposta similar, o projeto da Lei Paulo Gustavo tramita no Senado prevendo a destinação de recursos do superávit financeiro do Fundo Nacional da Cultura (FNC) e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para aplicação na Cultura. Se aprovada, a Lei deve investir cerca de R$ 4 bilhões no setor, até 2022.
Presidindo o evento, Macaé Evaristo (PT) ressaltou a importância do acesso a todas as informações sobre as iniciativas de fomento à cultura para toda a população. Iza Lourença (Psol) disse estar presente para ouvir os convidados e aprender sobre as leis do setor cultural. Bella Gonçalves (Psol) ressaltou a contribuição dos artistas para atravessar os tempos duros de pandemia, com as apresentações artísticas ao vivo (lives), trazendo esperança e alegria para todos.
Flávia Borja (Avante) lamentou que, enquanto a Lei Aldir Blanc dispõe de R$ 40 milhões para o setor de cultura, a Secretaria Municipal de Educação (BH) dispõe de R$ 27 milhões. Para ela, isso mostra que o último setor não seria prioridade para a cidade.
Lei fundamental
A Secretária Municipal de Cultura, Fabíola Moulin, afirmou que “a Lei Aldir Blanc foi fundamental para a sobrevivência da cultura no último ano”. A gestora explicou que tem dois sentimentos a respeito da pandemia: o de tristeza e indignação - pela dimensão da tragédia humana, por não poder naturalizar e aceitar as mais de 500 mil mortes - e o de esperança, contra visões negacionistas. “A Lei Aldir Blanc e o Projeto de Lei Paulo Gustavo são uma chama de indignação e esperança”, concluiu.
Moulin contou que, em 2020, a Prefeitura recebeu R$ 15,6 milhões provenientes da Lei Aldir Blanc e já empregou 98% da verba. Explicou que, em três meses, foram feitos todos os processos necessários para que os recursos chegassem ao setor cultural; foi criado um Conselho Cultural com representantes da sociedade civil e houve ações na Câmara Municipal, como a realização de audiências públicas. Muitos dos envolvidos estão participando das discussões do PL Paulo Gustavo no Senado.
O subsecretário de Coordenação Institucional da Cultura, Gabriel Portela Saliés, disse que a utilização dos recursos da Lei Aldir Blanc gerou muito aprendizado, principalmente, no quesito participação social. Foram contemplados cerca de 1.350 espaços de microempresários, artistas e produtores, através de subsídios mensais dados a espaços culturais. Cerca de 3 mil agentes foram beneficiados e foram feitos mais de 700 atendimentos on-line para os contemplados. Portela também considerou que os desafios são a falta de entendimento, de grande parte da economia da cidade, sobre como se beneficiar da lei e a dificuldade no cumprimento dos marcos legais. A ausência de indicadores culturais do Governo Federal e os desafios na prestação de contas também foram mencionados.
Dificuldades e esperança
A audiência abordou os entraves burocráticos e a diferença de acesso a informações e recursos da lei nas esferas estadual (considerada mais complicada) e municipal (que também precisaria evoluir). A dificuldade de sobrevivência de diversos agentes culturais, a falta de acesso a plataformas virtuais, o desconhecimento dos meandros da inscrição e o abandono do setor também foram abordados. Todos esperam que o PL Paulo Gustavo amplie os benefícios oferecidos e facilite o acesso a outros segmentos do setor cultural.
A presidente da Cooperativa de Teatro de Minas Gerais (Coopinminas ), Sinara Telles, pediu que haja alinhamento entre as políticas municipal e estadual para aplicação da Lei Aldir Blanc. Representante do Coletivo Mestre Conga defendeu incentivos ao sambistas, que se sentem marginalizados apesar das riquezas que produzem. Tallia Sobral, capoeirista e vereadora de Juiz de Fora (pelo Psol), explicou que as dificuldades impostas pela lei levaram o município a se concentrar em seu inciso III, que se refere à premiações e não exige contrapartidas.
Artista plástico e colaborador da Lei Aldir Blanc, Negro F. sugeriu o reforço das comissões locais de cultura. O representante da Sociedade Civil no Conselho Municipal de Política Cultural (Comuc), Eliezer Júnior, ressaltou as dificuldades pelas quais passam os profissionais técnicos do setor teatral. A conselheira da ColetivA, produtora cultural e mestra em artes/cinema pela UFMG, Graziella Cristina de Souza Luciano, defendeu mecanismos que garantam a participação das periferias e das cidades do interior na lei, como a criação de consultorias. A artista drag e militante do Movimento LGBTQIA+, Penélope Fontana, disse que a renda dessa população é muito frágil, pois vem de apresentações em casas de eventos, que foram suspensas. Fontana pediu que fossem criados espaços e fomentos para a cultura do grupo, cujos corpos são invisibilizados.
A secretária Fabíola Moulin reconheceu que “a legislação precisa avançar, é muito genérica e pouco atende ao setor cultural” e contou que a Secretaria criou um grupo para facilitar que os contemplados pela Lei Aldir Blanc (que precisam oferecer uma atividade gratuita em contrapartida ao benefício) conheçam possíveis ações a serem apresentadas às escolas. “O diálogo permite que avancemos juntos”, disse. Gabriel Portela afirmou que a Prefeitura tem tentado mitigar a burocracia imposta pela lei, mas a questão poderia ser melhor resolvida em âmbito federal. “Iremos nos reunir com o comitê que acompanha a execução da lei, em dez dias, para decidir o destino do recurso que falta empregar, da ordem de R$ 267 mil”, concluiu.
O gerente de Planejamento, Monitoramento e Indicadores Culturais da Secretaria Municipal de Cultura, João Pontes, disse que Belo Horizonte está muito envolvida na contribuição para o PL Paulo Gustavo. Minas tem três senadores que apoiam a lei e o Conselho Municipal de Política Cultural também a apoia. “Estamos na luta para que a lei seja aprovada”, garantiu.
Cultura como direito
A ex-vereadora Cida Falabella disse ser emblemático que a cultura possa dar essa virada porque “fomos atacados por esse governo não só pela demora da vacina, mas também pela corrupção”. E acrescentou que o PL Paulo Gustavo vai trazer o reconhecimento de que “a cultura é o que pulsa, a cultura é o que une”. Falabella concluiu que acredita na democracia e na transformação da sociedade.
Macaé Evaristo disse ser possível fazer diversas indicações e requerimentos a partir das declarações ouvidas, entre elas: uma moção de apoio ao PL Paulo Gustavo e uma indicação para a Secretaria e Fundação Municipais de Cultura para a retomada do Comitê da Lei Aldir Blanc, inclusive de forma regionalizada. Também sugeriu pedir à Secretaria da Fazenda um estudo técnico sobre a isenção de imposto para a Lei Paulo Gustavo e uma indicação para a Secretaria Municipal de Cultura realizar um busca ativa de grupos de produtores culturais mais frágeis em período de pandemia. “Precisamos pensar a cultura como um direito”, afirmou.
Estiveram presentes os membros efetivos da comissão, Marcela Trópia (Novo), Flávia Borja (Avante), Macaé Evaristo (PT) e Rubão (PP); a suplente Iza Lourença (Psol) e Bella Gonçalves (Psol) e a ex-vereadora Cida Falabella (Psol), todos de maneira remota.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional