Vereadores apostam na união entre setores para viabilizar tarifa zero em BH
Executivo manifesta preocupação com falta de capacidade orçamentária para implementar projeto e diz que precisa de mais estudos

Fotos: Rafaella Ribeiro/CMBH
O Projeto de Lei (PL) 60/2025, que institui a gratuidade da tarifa nos ônibus municipais, foi objeto de nova audiência pública na Câmara, desta vez pela Comissão de Orçamento e Finanças Públicas. Presidida por Iza Lourença (Psol), autora do requerimento junto a Diego Sanches (Solidariedade), Janaina Cardoso (União) e Luiza Dulci (PT), a reunião contou com a participação de representantes do Executivo municipal, de comércios, além de pesquisadores e autoridades de outros municípios que trouxeram o exemplo da implementação da tarifa zero em suas localidades. Iza Lourença ressaltou que o objetivo do encontro foi aprofundar o debate sobre o tema para encontrar soluções em conjunto, já que a questão "é complexa e exige esforço coletivo". O secretário municipal de Governo, Guilherme Daltro, corroborou a fala e disse que a Prefeitura de Belo Horizonte está aberta ao diálogo. Claudio Silva, da Associação dos Motoristas de Táxis Lotação de Belo Horizonte (AMTL-BH), chamou atenção para o fato de que o serviço o qual representa será diretamente afetado pela proposta da tarifa zero. Ele pediu que a modalidade seja incluída no texto, equiparada aos ônibus. Diego Sanches se comprometeu a apresentar emenda para que isso seja feito.
Exemplos de sucesso
Vitor Valim, ex-prefeito da cidade de Caucaia (CE), maior cidade brasileira com transporte público gratuito, disse que o projeto é viável, e que “o valor não arrecadado com as passagens retorna na economia”. Ele apontou que o custo da implementação da medida é de quase 3% do orçamento da cidade, e que incluir as empresas como contribuintes, conforme está previsto no projeto de BH, é uma "boa forma" de diminuir o peso para o poder público.
Outro exemplo trazido para a audiência foi da cidade de São Caetano do Sul, da Região Metropolitana de São Paulo. O gestor de mobilidade do município, Marcelo Pante, apresentou dados sobre a implementação da tarifa zero na cidade, realizada em 2023. Segundo ele, a demanda de usuários subiu de 22 mil para 83 mil em dias úteis, com crescimento de praticamente 300%. O número, ainda de acordo com Marcelo Pante, estava mais significativo entre os horários de pico, quando os ônibus "andavam vazios" e passaram a receber mais passageiros após a gratuidade. “Você não está gastando mais por isso, o sistema já está pago, mas o ônibus anda com menos ociosidade”. O gestor acentuou que, apesar de ser uma cidade menor, São Caetano do Sul é densamente habitada, com cerca de 11 mil habitantes por quilômetro quadrado. Ele destaca que, atualmente, o transporte é financiado integralmente pela prefeitura, mas que outras fontes de recursos estão sendo avaliadas para que o sistema tenha mais segurança e não dependa somente do orçamento público.
O secretário de Governo, Guilherme Daltro, ponderou que cada cidade tem sua "particularidade". Ele afirmou que a arrecadação atual de BH é de R$ 25 bilhões e que, fazendo uma conta imediata, o projeto geraria um gasto de R$ 2,5 bilhões à PBH. “A conta não fecha”, disse ele. Para o secretário, a renovação do contrato com as empresas de transporte em 2028 é uma oportunidade de ampliar a discussão e “dar um primeiro passo”, mas que, no momento, acredita que a redução da tarifa seria "mais viável".
“A discussão é, sim, válida, mas desde que a gente trabalhe à luz do dia, com a realidade, com as coisas como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem”, declarou o secretário de governo.
Formas de financiamento
Um dos principais pontos de preocupação em relação ao projeto é como conseguir financiá-lo sem precisar retirar recursos de outras áreas. Roberto Andrés, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressaltou que a intenção da proposição é que o custo seja "mais bem distribuído", em que entes que gastem mais com vale-transporte passem a pagar menos, e outros que não gastam comecem a contribuir. Ele destacou que as passagens representam "somente 1/4 da receita do transporte", mesmo Belo Horizonte tendo a "terceira maior tarifa entre capitais". Apesar disso, de acordo com o professor da UFMG, a capital mineira era considerada com o pior trânsito e pior transporte coletivo do país. “Nós estamos drenando recurso público para um modelo de financiamento que está falido”, reiterou Roberto Andrés.
A cobrança de taxas para empresas com mais de 9 funcionários é um dos pontos da proposição que tem gerado debate, por ser considerado inconstitucional. O coordenador geral de Regulação da Mobilidade Urbana no Ministério das Cidades, Antônio Espósito Neto, disse que, de fato, há um entendimento de que esse tipo de taxação não é permitida, porém um projeto que tramita no Congresso Nacional chamado "Marco Legal do Transporte Público Coletivo Urbano” traz um dispositivo que pode alterar essa normativa e viabilizar a cobrança. A expectativa é que ele seja aprovado ainda neste ano.
O auditor fiscal do município e presidente do Sindicato dos Fiscais Técnicos Municipais Tributários (Sinfisco-BH), André Martins, apresentou outras duas alternativas que podem aumentar a arrecadação do Executivo e contribuir para o crescimento do orçamento. Ele afirmou que, somente com a contratação de 20 auditores fiscais em 2023, a cidade aumentou a arrecadação de impostos em R$ 300 milhões por conta da diminuição da sonegação. O auditor disse que BH tem uma dívida ativa de R$ 8 bilhões, mas não possui instrumentos para cobrar.
O empreendedor Gustavo Ziller afirmou que, como os dois principais pontos de arrecadação da cidade são o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), é necessário “validar a vocação” de BH para aumentar o lucro com o setor de serviços. Para o empresário, isso deve ser feito “colocando mais pessoas nas ruas”, em eventos, restaurantes e bares, e "viabilizar a mobilidade com transporte gratuito seria essencial".
Impactos positivos
A presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel - MG), Karla Rocha, acredita que o transporte público gratuito pode ter grande impacto positivo, sobretudo para o comércio noturno. Ela citou dificuldades em manter bares abertos até tarde, porque seus donos não conseguem garantir transporte para os funcionários, além da baixa demanda de usuários que também não conseguem se deslocar com facilidade em períodos noturnos.
Mateus Rodrigues, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), autor de estudo que analisa impactos da implementação da tarifa zero em cidades brasileiras, afirmou que observou aumento de 3,2% na empregabilidade nessas localidades, bem como diminuição de 4,1% na emissão de gases do efeito estufa. Com o decorrer do tempo, os benefícios da iniciativa, considerando aspectos fiscais e ambientais, tendem a superar os custos. Roberto Andrés também ressaltou que a medida pode promover mais inclusão, permitindo que a população mais vulnerável tenha condições de acessar e usufruir da cidade.
Iza Lourença disse que espera que a audiência tenha contribuído para que a prefeitura se debruce mais sobre o projeto de lei e veja como ele “só traz benefícios para o próprio poder público”.
“Nós queremos que todo mundo ganhe com isso. A prefeitura ganha mais recurso porque se livra de um problema que é o subsídio; as empresas ganham mais vendas, maior circulação da economia; e a população ganha a possibilidade de andar de graça. Então eu vejo que esse projeto é ganha, ganha, ganha”, refletiu a vereadora.
Interesse conjunto
Parlamentares presentes na audiência destacaram que o tema do transporte coletivo em Belo Horizonte estaria "além das questões ideológicas". Janaina Cardoso e Tileléo (PP) apontaram que reclamações em relação ao transporte público estão entre as principais demandas da população recebidas por eles. Luiza Dulci destacou que o PL 60/2025 é o que tem mais assinaturas de vereadores (22) na Câmara, e ressaltou a presença do empresariado na audiência. Cida Falabella (Psol) lembrou que Belo Horizonte é "pioneira em muitas vertentes e projetos", e que pode também ser a primeira capital do Brasil com transporte público gratuito.
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