Instalação de duas grandes CPIs e suas conclusões marcaram atuação parlamentar
Investigações sobre contrato das empresas de ônibus e ações da PBH contra a covid-19 resultaram em novo regramento para a cidade
Foto: Karoline Barreto/CMBH
As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são um importante instrumento para a atividade fiscalizadora dos vereadores. No ano passado, ao menos duas grandes comissões desta natureza foram instaladas na Câmara de BH - CPI da BHTrans e CPI da Covid-19 -, e o saldo foi o endurecimento do regramento para a concessão de serviços públicos na cidade. Além do repasse de mais de R$ 200 milhões do cofres da Prefeitura a empresários do setor de transporte coletivo, por meio da compra antecipada de vales-transporte, as investigações conduzidas pelos parlamentares apontaram, em relação à CPI da BHTrans, o não pagamento de seguros obrigatórios por parte dos empresários, a retirada irregular de valores do fundo garantidor do contrato e a não realização de auditoria no ano de 2016, como previa o contrato realizado em 2008. Já em relação à CPI da Covid-19 foi apurada a realização de atividade de consultoria por parte dos membros do Comitê Municipal de Enfrentamento da Covid-19 enquanto ainda prestavam serviço voluntário à PBH e outras condutas indevidas no caso dos repasses aos donos de coletivo, tidos pelos vereadores como um empréstimo irregular, uma vez que não houve aprovação de lei específica na Casa. Ao todo, as duas CPIs recomendaram o indiciamento de mais de 40 pessoas, dentre elas o prefeito Alexandre Kalil, o ex-presidente da BHTrans, Célio Bouzada, e diversos donos de empresas de ônibus na cidade, além de membros do primeiro escalão da Prefeitura.
Formação de cartel, associação criminosa e fim do contrato
A CPI da BHTrans foi constituída em maio do ano passado, a partir da assinatura de 20 vereadores, com o objetivo de apurar a omissão da empresa de transporte e trânsito no constante desrespeito das normas na prestação do serviço de transporte coletivo pelas concessionárias responsáveis. Durante seis meses de trabalho, os vereadores realizaram 35 reuniões, 44 oitivas, 31 quebras de sigilo fiscal e bancário e aprovaram centenas de requerimentos e pedidos de informação.
Ao final dos trabalhos, o relatório final, elaborado por Reinaldo Gomes Preto Sacolão (MDB) e composto de duas partes (I e II) construiu uma cronologia dos fatos que envolvem o transporte público na cidade, desde a licitação ocorrida em 2008 até os dias hoje, com a realização pelo Município, no último ano, de um aporte de recursos aos caixas das empresas, por meio da compra antecipada de vales-transporte. Dentre as dezenas de condutas indevidas encontradas pelas investigações estão o não pagamento de seguros obrigatórios por parte dos empresários, a retirada irregular dos cobradores, a dívida milionária das empresas com a União, a não realização de auditoria no ano de 2016, como previa o contrato, além de descoberta do desaparecimento de ao menos 30 páginas do contrato assinado em 2008 e que esteve ‘sumido’ nos últimos 10 anos.
Composto de mais de 400 páginas, o relatório final da CPI da BHTrans pede o indiciamento do prefeito Alexandre Kalil pelos crimes de peculato, prevaricação e condescendência criminosa, e ainda de outras 38 pessoas, dentre elas funcionários de carreira da BHTrans e dos empresários André Luiz Barra e Renata Barra, pai e filha, proprietários da empresa Tecnotran, apontada como a responsável por elaborar todas as propostas para a concorrência pública em 2008. A CPI sugeriu, ainda, o indiciamento de empresários de ônibus pelos crimes de formação de cartel e associação criminosa; da Transfácil pelo crime de apropriação indébita; e do ex-presidente da BHTrans, Célio Bouzada, e dos servidores Daniel Marx Couto e Adilson Elpídio Daros pelo crime de associação criminosa, dentre outros. O inquérito também recomendou a extinção do contrato que resultou da licitação de 2008. À época, embora o relatório final tenha contado com a aprovação dos sete parlamentares que integram a CPI, o indiciamento de Kalil não foi consenso; Bella Gonçalves (Psol) e Professor Claudiney Dulim (Avante) defenderam que a responsabilidade do chefe do Executivo não estava clara.
Investigações no MP e avanço na legislação
Durante as investigações, além de quebras de sigilo fiscal e bancário de investigados, a Procuradoria da Casa precisou recorrer de habeas corpus impetrados pelos envolvidos, a fim de não comparecerem aos depoimentos agendados. Como desdobramento das investigações, neste último mês de janeiro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) encaminhou o relatório conclusivo da CPI da BHTrans ao Grupo Especial de Combate aos Crimes Praticados por Políticos Municipais para apuração dos fatos. No despacho, o procurador-geral afirma que os elementos de prova apresentados no relatório necessitam de uma apuração e investigação mais detalhada pelo MP e determinou o encaminhamento de todos os documentos relativos à investigação também ao promotor de Justiça da 17ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Capital, Leonardo Duque Barbarela.
Já na Câmara, os desdobramentos resultaram na aprovação de novas regras para a concessão de serviços públicos, dentre elas a aprovação da Lei 11.329, que aumenta o rigor para concessão de serviços de transporte público em BH, incluindo a obrigatoriedade de as empresas apresentarem, como condição de habilitação, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, além de regularidade fiscal e trabalhista. A nova lei é originária do PL 198/2021, apresentada pelo parlamento. Também de iniciativa legislativa, o PL 197/2021 chegou a ser aprovado em dois turnos na Casa, porém recebeu veto total do prefeito. A proposição revoga concessão de isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e da taxa de Custo de Gerenciamento Operacional (CGO) para o serviço de transporte público coletivo. De autoria do ex-prefeito Marcio Lacerda, a Lei 10.638/2013 isentou as concessionárias do pagamento do ISSQN, e a Lei 10.728/2014 suspendeu a cobrança da CGO de 2% da receita das empresas, que cobria as despesas do Município com a regulação e fiscalização do serviço. Nas discussões sobre o PL, foi informado que, com a concessão dos benefícios, a Prefeitura deixou de arrecadar R$ 302 milhões, que poderiam ter sido usados em prol da população da cidade
Consultoria na esfera privada e empréstimo sem autorização
Também a CPI da Covid-19, que investigou os gastos do Município com a pandemia, movimentou a Câmara em 2021. Instalado em maio, o colegiado teve objetivo de apurar a ausência de informações precisas e transparentes sobre a destinação dos recursos originados dos governos federal e estadual e ainda quanto a regularidade das contratações do Município durante a pandemia.
Após 175 dias de trabalho, com a realização de 36 reuniões e mais de 30 oitivas, foi aprovado um relatório final substitutivo que recomendou pelo indiciamento de secretários municipais, dentre eles, o de Planejamento, Orçamento e Gestão, André Reis; de Saúde, Jackson Machado Pinto, e da Fazenda, João Antônio Fleury; do Sindicato das Empresas de Transporte (Setra/BH); de empresários de ônibus; de servidores da BHTrans, e novamente, do prefeito Alexandre Kalil, desta vez por improbidade administrativa; emprego irregular de verbas públicas e por utilizar-se indevidamente de recursos em benefício do setor de transporte público. Além do Professor Juliano Lopes (Agir), que a presidiu, integraram a CPI a vereadora Flávia Borja (Avante) e os vereadores Bruno Miranda (PDT), Irlan Melo (PSD), Jorge Santos (Republicanos), José Ferreira (PP) e Nikolas Ferreira (PRTB).
O relatório final, apresentado de forma alternativa pela vereadora Flávia Borja, dividiu os parlamentares e a aprovação se deu por 4 votos a 3, após a rejeição do documento elaborado pelo relator Irlan Melo. Os relatórios apresentados divergiram principalmente em relação à imputação de responsabilidades conferidas aos infectologistas Carlos Starling e Estevão Urbano, e quanto à responsabilização do prefeito em função do repasse dos R$ 200 milhões concedidos às empresas de ônibus, por meio da compra antecipada de vales-transporte.
MP, fechamento indiscriminado na pandemia e decretos sem prazo limite
O substitutivo aprovado pela CPI da Covid-19 também orientou que a conclusão das investigações fosse remetida ao MPMG e ao MP de Contas para que prossigam nas investigações e que seja ajuizada pelo MP ação rescisória a fim de desconstituir a decisão homologatória do acordo (PBH e TJMG para o empréstimo), com a consequente devolução aos cofres públicos dos valores pagos às concessionárias de transporte coletivo.
Já no âmbito legislativo, como resultado das investigações, os parlamentares aprovaram mudanças no Regimento Interno, dentre elas a que altera a tramitação de projeto de resolução (PR) que susta ato normativo do Executivo que exorbite seu poder regulamentar - que é quando um decreto ou ato administrativo do prefeito vai além do que permite a legislação.
A Resolução 2098/2021, que tornou mais célere esta tramitação, é oriunda de projeto de autoria da Mesa Diretora. Antes da mudança, devido à ausência de previsão específica no Regimento Interno era adotado procedimento ordinário para a tramitação dessas matérias. Foi verificado que o procedimento que vinha sendo adotado seria inadequado “por não atender à necessidade de posicionamento tempestivo do Poder Legislativo diante da gravidade que representa a usurpação da competência legislativa por parte do Poder Executivo".
Após a mudança regimental estabelecida, ao menos três PRs ligados aos trabalhos da CPI da Covid-19 já tramitam pela nova regra. O PR 47/2021 susta os efeitos do Decreto 17.523/21, que suspende, por prazo indeterminado, as disposições do Anexo II do Decreto 17.361/2020. Assinado por seis vereadores, sendo Braulio Lara (Novo) o primeiro signatário, a justificativa do PR considera usurpação da atividade legislativa o fechamento indiscriminado de toda atividade comercial durante a pandemia e argumenta que a medida é desproporcional e imotivada. O PR já tramitou nas devidas comissões e está concluso para apreciação do Plenário.
Também os PRs 75/2021 e 209/2021 são resultado da CPI da Covid-19 e seguem a nova regra. O primeiro, de Wesley (Pros), susta parcialmente os efeitos do Decreto 17.566/2021, que suspendeu o funcionamento das igrejas e templos religiosos na pandemia. Após tramitar sem emendas nas comissões, a matéria aguarda apreciação do Plenário. Já o segundo, assinado por ao menos 14 vereadores, tem Reinaldo Gomes Preto Sacolão (MDB) como primeiro signatário e susta mais de 40 decretos estabelecidos durante a pandemia, por falta da observância da Lei Federal 13.979/20, já que não estabelecem previsibilidade de tempo para a suspensão do funcionamento de atividades econômicas ou medidas sanitárias na cidade. A Comissão Especial que avalia o PR já aprovou parecer pela constitucionalidade, legalidade e regimentalidade da suspensão das medidas editadas pelo Município e a matéria já pode ser anunciada para votação simbólica do Plenário, em turno único, onde estará sujeita ao quórum da maioria dos presentes.
Superintendência de Comunicação Institucional