Entidades defendem prevalência de ADEs sobre Operações Urbanas
Vereador que requereu o debate e associações comunitárias temem descaracterização de bairros tradicionais da capital
Temendo descaractrização de ADEs da capital, Gilson Reis propõe a apresentação de ajustes ao Plano Diretor (Foto: Rafa Aguiar)
Temores de que a especulação imobiliária e pressões pela flexibilização das diretrizes especiais afetem a ambiência e as características de áreas de importância histórica, arquitetônica e cultural para o município foram manifestados nesta quinta-feira (19/5) por moradores e representantes de associações comunitárias, em audiência da Comissão de Meio Ambiente e Política Urbana. Requerido por Gilson Reis (PCdoB), o encontro debateu os possíveis impactos das operações urbanas previstas na revisão do Plano Diretor da capital, que tramita na Casa, sobre a preservação ambiental e urbanística da cidade, defendendo a prevalência dos instrumentos de proteção.
Na abertura da audiência, observou-se mais uma vez a ausência de representantes do Poder Executivo, ilustrando a pouca disposição para dialogar com a população e o Legislativo que, segundo o requerente, vem marcando a atual gestão. Gilson Reis ressaltou a importância da revisão do Plano Diretor, que irá impactar a vida e o funcionamento da cidade nos próximos 15 ou 20 anos e manifestou preocupação com o conteúdo do Substitutivo a ser proposto pelo Executivo ao PL 1749/15, encaminhado à Casa em setembro de 2015. Segundo o parlamentar, as alterações não teriam sido discutidas com os movimentos sociais e entidades da sociedade civil que participaram da Conferência Municipal de Política Urbana.
Abordando o foco do debate, Reis apontou a necessidade de garantir a valorização e preservação do patrimônio cultural, ambiental, histórico e arquitetônico representado pelas Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs) da cidade. Segundo ele, a proteção da organização espontânea do espaço urbano, resultante das tradições, vocações e peculiaridades culturais, bens materiais e imateriais que caracterizam essas áreas vem sendo ameaçada, desde sua criação, pela especulação imobiliária e os interesses do capital, por sua localização e valor do metro quadrado, entre os mais altos da capital.
Sem a presença do poder público, o vereador e os demais participantes da audiência defenderam o estabelecimento de normas mais rigorosas de proteção dessas áreas, definindo restrições em aspectos como a altura e distância mínima entre edificações, áreas verdes e permeáveis, tipos de atividades, comércio e serviços permitidos em seu âmbito e a utilização dos espaços públicos, de modo a preservar as características paisagísticas e a “cor” local das ADEs de BH.
Estudo aponta riscos
O pesquisador em Planejamento Urbano e Ambiental Flávio Torre, que realizou estudos sobre o tema a pedido do vereador, exibiu slides para mostrar a localização das operações urbanas previstas no Plano e das ADEs do município, que em diversos casos se sobrepõem. Ele explicou que cada ADE possui sua especificidade e alterações em suas características, organização e ambiência podem afetar a cidade como um todo; como exemplo, ele citou o caso da ADE Pampulha, ameaçada de verticalização e descaracterização paisagística e sobrecarga viária, caso se efetive a autorização para instalação de hotéis e outros equipamentos voltados à cultura, ao turismo e ao lazer. Para o especialista, a sobreposição de diretrizes poderá abrir brechas nas restrições e flexibilizar normas impostas pelas ADEs, contribuindo para sua redução territorial e comprometendo sua proteção.
Detalhando aspectos referentes às ADEs Pampulha, Lagoinha, Santa Tereza, Avenida do Contorno, Primeiro de Maio, Quilombo de Mangueiras e Cidade Jardim, o pesquisador destacou a necessidade de averiguar se as sugestões e acordos extraídos da Conferência Municipal de Política Urbana, cujas discussões deveriam subsidiar a elaboração do Plano Diretor, estão sendo devidamente contemplados e respeitados no projeto de lei da prefeitura, além da proposição de ajustes e aperfeiçoamentos que garantam a adequação das políticas urbanas propostas à meta de construir uma cidade “ambientalmente saudável, socialmente justa e economicamente equilibrada".
O especialista criticou o caráter genérico e subjetivo de alguns critérios e termos adotados na legislação, como os que se referem a valoração paisagística e à preservação da “visagem” dos bens históricos, arquitetônicos, ambientais ou culturais que justificam o status de área, ou a conceitos como interesse público, relevância cultural, histórica ou turística, cuja interação com os aspectos habitacionais e de mobilidade demandam parâmetros mais objetivos e espaços concretos de proteção.
Santa Tereza em alerta
A descaracterização arquitetônica e paisagística das ADEs, como alargamento de vias, permissão de edificações mais altas e autorização para a instalação de atividades não alinhadas à vocação e aos valores tradicionais do bairro também foram preocupações expressas pelos representantes do Movimento Salve Santa Tereza e da Associação de Moradores. Os receios da comunidade dizem respeito à Operação Urbana Leste-Oeste e ao adensamento habitacional previsto para o entorno das estações e corredores de transporte coletivo, como o Move e o Metrô.
Cercado por três estações de metrô, o bairro histórico corre o risco de ter até 60% de seu território “engolido” pela Operação Urbana, descaracterizando o ambiente predominantemente residencial, interiorano, tradicional e boêmio que sempre o marcou (foto), tornando-o conhecido como celeiro de movimentos culturais, músicos, artistas e poetas de renome nacional e internacional. Os líderes comunitários comemoraram a vitória dos moradores e o recuo da prefeitura e da Fiemg, que pretendiam abrir uma escola automotiva no antigo Mercado Distrital do bairro, e o retorno das discussões sobre o uso do espaço para a Fundação Municipal de Cultura.
Nova ADE e garantias de proteção
Gilson Reis sugeriu a abertura de uma discussão sobre a possibilidade de instituir uma nova Área de Diretrizes Especiais na capital, englobando os bairros Esplanada, Saudade e Pompéia. A ideia contou com a aprovação de todos os participantes, que reconheceram unanimemente as características históricas e culturais do conjunto, situado na Regional Leste, que vem sofrendo verticalização e adensamento em um ritmo preocupante.
Reforçado pelos representantes da sociedade civil, Reis cobrou ainda a destinação de recursos específicos para a efetivação dos instrumentos de política urbana estipulados em legislação correlata (PL 1750/15) e a elaboração de políticas de mobilidade para essas regiões, além do aprimoramento, ampliação e manutenção das diretrizes especiais e de seus mecanismos proteção. A ideia, segundo ele, é garantir que os critérios e parâmetros definidos para as ADEs prevaleçam sobre planejamentos posteriores, salvaguardando-as das interferências das operações urbanas previstas, que podem vir a descaracterizar e degradar áreas de preservação histórica e cultural.
Defendendo a participação popular e da comunidade local nas decisões sobre essas áreas, os participantes da audiência solicitaram a instituição dos Fóruns das ADEs, que terão função de acompanhar e propor medidas para os bairros e grupos de bairros que, por suas qualidades únicas, compõem o patrimônio e fazem de sua preservação tema de interesse coletivo.
Ausências
Convidados, não compareceram nem enviaram representantes a Secretaria Municipal de Governo, Fundação Municipal de Cultura, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/MG) e Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG) .
As proposições de lei referentes a esses temas que tramitam atualmente na Câmara de BH podem ser consultadas aqui.
Superintendência de Comunicação Institucional